O Jornal On Line O PORTA-VOZ surgiu para ser o espaço onde qualquer pessoa possa publicar seu texto, independentemente de ser escritor, jornalista ou poeta profissional. É o espaço dos famosos e dos anônimos. É o espaço de quem tem alguma coisa a dizer.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

A AMIZADE: FORMA MAIOR DO AMOR

Por Maria Clara Bingemer



            Amigo é coisa pra se guardar...debaixo de sete chaves... já cantava Milton Nascimento com sua monumental voz.  Amigo é feito casa, que se faz aos poucos e com paciência para durar pra sempre... afirma Zélia Duncan...Amigo é pra essas coisas... cantava o MPB4 nos meus tempos de menina.

            No Brasil não se comemora tanto o Dia do Amigo.  Não é assim em outros países, como a Argentina e o resto da América hispânica.  A data é bem celebrada e amigos se paparicam uns aos outros, jantam fora, se dão presentes etc.  Já o grande escritor argentino Jorge Luis Borges dizia que a única virtude de seus conterrâneos é o vício da amizade.  E é verdade – eu concordo porque tenho marido portenho. Os argentinos são convencidos, selvagens no futebol e muitas coisas mais.  Mas quando são amigos, demonstram lealdade a toda prova e morrem por você.

            Na realidade, a amizade tem tudo a ver com o amor e é deste uma das formas mais excelentes e profundas.  A palavra tal como a pronunciamos deriva do latim “amicus” (amigo), que possivelmente se derivou de amor, amar. É uma relação afetiva profunda entre pessoas sem características romântico-sexuais. Envolve conhecimento mútuo e afeição, e supõe lealdade até a morte, até o ponto do altruísmo e do sacrifício. Pode e efetivamente acompanha igualmente relações de outro tipo: entre pais e filhos, entre irmãos e mesmo entre namorados e cônjuges.

            Envolve um tanto de gratuidade e dedicação, e de aceitação do outro tal como ele é.  Amigos podem ser diferentes, mas se aceitam e se acolhem com todas as suas diferenças, amando-as e não rejeitando-as. Por isso, os amigos são pessoas que se conhecem muito entre si, mais que os próprios familiares e cônjuge.  São depositários de toda a confiança recíproca e muitas vezes são confidentes privilegiados.

            Esta é a razão pela qual a amizade é cantada pela música, celebrada pela poesia e santificada pelas religiões.  Seu valor é ser uma experiência humana de vital importância.  A Bíblia narra e comenta casos de amizade prototípicos que inspiraram a humanidade ao longo dos séculos.  No primeiro livro de Samuel, a amizade entre Davi, que depois seria rei, e Jonatas, filho do rei Saul, é uma dessas. E o glorioso rei Salomão  escreveu a sabedoria da Amizade em seus Provérbios: "Em todo o tempo ama o amigo, e na angustia se faz o irmão"

No Novo Testamento, Jesus de Nazaré exalta a amizade – philia – e a cita como exemplo de sua relação com os discípulos.  “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Mas chamei-vos amigos, pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai.” Pronuncia essas palavras ao comparar-se a uma videira da qual os discípulos são os ramos e Deus Pai o agricultor.  E acrescenta:  “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos...Vós sois meus amigos, se fazeis o que vos mando.”

Já na Antiga Grécia, o termo “philia” – o mesmo que emprega o Novo Testamento – é traduzido geralmente como “amizade” e, às vezes, também como “amor”. Aristóteles dá vários exemplos de “philia”, desde amantes até membros da mesma comunidade religiosa, mas destaca os amigos para toda a vida. E o Estagirita não deixa de sublinhar que se trata de uma experiência eminentemente humana, e não pode ser vivida com animais, sendo possível apenas usar o termo “philia” com animais de estimação.

O conteúdo central da “philia” é, portanto, o de fazer bem a alguém e também recebê-lo de alguém.  Aristóteles ainda ousa acrescentar que a “philia” é necessária como um meio para atingir a felicidade, afirmando literalmente: “Ninguém escolheria viver sem amigos, mesmo se tiver todos os outros bens”.

Assim tenta explicar Jesus de Nazaré aos discípulos quanto os ama e quanto os considera seus amigos.  E isso certamente não é pelas virtudes desses: o covarde Pedro, o traidor Judas, os violentos filhos de Zebedeu, o corrupto Mateus e os outros que nada entendiam por mais que ele explicasse.

Ser amigo é assim.  É amar pelo que o outro é, com virtudes e defeitos.  E por isso é tão bela a amizade, ungida inclusive pela vivência e ensinamento do Filho de Deus Encarnado.  Amigos devem ser os cônjuges senão nada sobrará da ardente paixão dos primeiros tempos.  E os namorados, para que o namoro dure e se transforme em união durável.  E os pais, porque senão os filhos crescem e vão querer partir e não dar mais notícias. E os irmãos, senão no momento da herança se engalfinharão de maneira lamentável.

E os simplesmente amigos... bênção maior da vida, que são como casa que se faz aos poucos, tesouro a se guardar debaixo de sete chaves, alguém com quem contar em qualquer momento, mão estendida quando todos se foram. 

Bendito seja Deus pela amizade.  E benditos os amigos que ao longo da vida me amam como sou e não como desejariam que eu fosse.  Obrigada de coração a todos vocês.  E vocês sabem que podem contar comigo.  Sempre... Para o que der e vier.

 A teóloga é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “O  mistério e o mundo –  Paixão por  Deus em tempo de descrença”, Editora  Rocco. 

 Copyright 2015 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>


Nenhum comentário:

Postar um comentário