Por Marcelo Barros
Na América
do Sul, esse julho foi marcado pela visita do papa Francisco a três países:
Equador, Bolívia e Paraguai. Antes de partir de Roma, ele declarou ter
escolhido visitar três dos países mais pobres do continente. A novidade dessa
visita é que os meios de comunicação social que transmitiam as visitas dos
papas anteriores quase durante 24 horas e em tempo real, já não se movem tanto
com o papa Francisco. E ele tem certa responsabilidade nisso. De fato, imprimiu
outro estilo às viagens papais.Não reproduz rituais de corte medieval e faz
questão de privilegiar um modo de ser simples e pastoral. Como ainda não deixou
de ser chefe de Estado, é acolhido pelos governantes, mas dedica a esses menos
atenção e dá mais tempo ao encontro com comunidades pobres e carentes. No lugar
de temas da Moral sexual ou de assuntos internos da Igreja,aborda quase sempre
a necessidade de uma nova organização do mundo que faça justiça aos pobres. Nessa
sua visita ao nosso continente, por onde passava, afirmou: “Em um mundo onde há
tantos agricultores sem terra, tantas famílias sem casa, tantos trabalhadores
sem direitos”, onde explodem “guerras insensatas” e a terra é devastada, isso
significa que é preciso uma mudança”. Na Bolívia, falou da “conquista
europeia” de modo claramente crítica e
não como descobrimento. Pediu perdão aos índios pela cumplicidade da hierarquia
e do clero católico na violência da conquista europeia.
Ele dá o
exemplo para padres e bispos sobre como priorizar o diálogo com os movimentos
sociais. Em Santa Cruz de laSierra, se encontrou com mais de 1.500
representantes de movimentos populares aos quais ele chamou de “semeadores de
mudanças e poetas sociais”. Era o segundo encontro mundial de movimentos
sociais, ambos promovidos pelo papa. Na sua fala, ele se inseriu na cultura e
preocupações de todos ali presentes. Em nenhum momento, distinguiu crentes e
não crentes. No estilo dos profetas bíblicos, propôs justiça social e
transformação do mundo. Dessa vez, afirmou aos representantes e líderes
desses movimentos: “O futuro da
humanidade está, em grande parte, nas mãos de vocês e na sua capacidade de se
organizar e promover alternativas criativas.” Na periferia de Assunção, no
Paraguai, visitou as 23 mil famílias que ocupam a área de Bañado Norte. Há 30
anos, essas famílias pobreslutam pelo título de propriedade. Ao afirmar
claramente que estava contente por estar com eles e “na terra deles”, o papa disse
claramente ao mundo inteiro que reconhece o direito deles à terra e ao título
de propriedade.
Quando
falou a grupos de Igreja, disse claramente: “não importa a quantas missas de
domingo você foi, se você não tem um coração solidário. Se você não sabe o que
está acontecendo em sua cidade, sua fé é muito fraca, está doente ou morta.” E
convidou bispos, padres e agentes de pastoral a mudar a compreensão que muitos
ainda têm da missão eclesial. Não é cristã uma Igreja voltada para si mesma e
cujo trabalho seja meramente religioso. O papa afirmou fortemente que toda a Igreja
deve estar disposta a “acompanhar as pessoas que buscam superar as graves
situações de injustiça que sofrem os excluídos em todo o mundo”.
Quando
acompanhamos os movimentos e palavras do papa Francisco, o mais estranho não é que
os meios de comunicação censurem as palavras do papa se esse condena o
Capitalismo e diz que a atual estrutura social e econômica do mundo tem de
mudar. O mais estranho é que esse silêncio e censura ocorra também nos
ambientes do clero e da hierarquia eclesiástica. Apesar de que, normalmente,
ninguém abre a boca para criticar o papa, muitos padres e bispos, formados nas
décadas de condenação clara da teologia do Concílio Vaticano II, parecem
esperar tudo isso passe e possamos voltar aos bons tempos de antes. Poucos
bispos em suas dioceses e padres em suas paróquias se sentem interpelados a
dialogar com os movimentos sociais e neles se inserirem como o papa Francisco
faz e propõe a partir do evangelho. No domingo passado, nas comunidades
católicas, o evangelho proclamado nas missas afirmava que Jesus tinha querido
fazer um retiro com os seus apóstolos do outro lado do lago de Genesaré. No
entanto, muitospobres souberam que eles iriam para lá. Tomaram barcas e
chegaram antes de Jesus e dos apóstolos. E o evangelho termina afirmando que,
“quando Jesus os viu, sentiu suas entranhas se moverem de uma compaixão materna
e sentiu piedade deles, porque eram como ovelhas sem pastor” (Mc 6, 30 – 34).
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países
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