Por Marcelo
Barros
A Igreja
Católica comemora em agosto, o mês das vocações. E logo no início, 04 de agosto,
é considerado como “o dia do padre”. Por isso, esse mês é uma boa ocasião para divulgar
essa carta aberta, escrita a um jovem padre:
Caro irmão
padre...
Você
afirmou publicamente que sou revolucionário e contra as leis da Igreja. Declara-se
“conservador”, contrário à Teologia da Libertação e a esse papa atual. Comumente,
tenho por princípio ouvir atentamente as críticas que me fazem e me manter aberto
a sempre rever minhas posições. Só quando percebo que a pessoa não quer dialogar,
evito responder para não alimentar polêmicas. No entanto, você é um irmão no ministério
presbiteral e, como jovem, é portador de uma mensagem própria da juventude. Por
isso, pensei que deveria provocar essa conversa. Não para me defender. Apenas para
explicar melhor o que penso. Como você mal me conhece, penso que suas críticas
ao meu modo de viver a fé e compreender a Igreja não são pessoais. Você me
associa aos irmãos e irmãs, ligados às pastorais sociais e aos movimentos
populares.
O termo
conservador é usado para designar alguém que é contra mudanças e quer preservar
o passado. Dependendo do que se trata, o conservadorismo pode ser uma postura
excelente. As comunidades afro-brasileiras e indígenas que querem preservar
suas culturas e seus costumes antigos fazem uma coisa justa e boa. Grupos
ecológicos que lutam para preservar a natureza contra um desenvolvimento depredador
optam por um conservadorismo sadio. Os lavradores do MST, ao trabalharem para
manter as sementes crioulas e ao denunciarem o agronegócio, lutam por um tipo
de sociedade mais tradicional e no entanto mais humana e justa. Na Bíblia,
quando os hebreus conquistaram a terra, não adotaram o sistema social mais
moderno dos impérios da época (Egito e Babilônia). Preferiram o modelo tribal
dos juízes.
Para os profetas e mesmo para o evangelho, a grande esperança é
refazer um novo Êxodo. Por isso, no hebraico bíblico, o termo lifné é um futuro de progresso que não é
de justiça e deve ser deixado para trás, enquanto aharon é o passado que está à frente da história como proposta de
libertação.
Nesse sentido, o problema não é ser conservador. É saber em que
somos conservadores. Há coisas nas quais vale a pena ser conservador e outras
nas quais somos chamados a inovar. Deus nos chama para acolhê-lo como “Aquele
que faz novas todas as coisas” (Ap 21, 5). E aí, “não adianta remendo novo em
roupa velha, vinho novo em barris velhos” (Mc 2, 18 ss). O problema de muitos
irmãos padres e de grupos católicos que fazem a opção conservadora é que
parecem não escolher corretamente em que aspectos devem ser conservadores, sem
jamais se fechar à novidade do Espírito. Optam por ser contrários às propostas
e ao espírito do Concílio Vaticano II, mesmo se a maioria nunca estudou profundamente
os textos do Concílio. Infelizmente, nisso contam com a cumplicidade, ou ao
menos a omissão ingênua de muitos bispos que tendem a ser severíssimos com grupos
eclesiais considerados “de esquerda”, mas são extremamente complacentes com os
que rejeitam o Concílio e a renovação por ele proposta. Poderiam ser mais
claros em suas posições e não se omitirem diante de uma postura superficial
e inconsequente. Todos nós conhecemos
pessoas mais velhas e que são profundamente conservadoras. No entanto, são coerentes
e têm profundidade espiritual na forma como vivem. Respeito e admiro esses
irmãos. Não é o caso de muitos padres jovens e seminaristas que, dos tempos préconciliares, tomam apenas o
aspecto externo e folclórico de costumes, roupas e bugigangas. Não assumem a
seriedade da espiritualidade daqueles tempos. Não enfrentam o rigor dos antigos
cursos de Filosofia e Teologia em latim. As exigências de ascese, jejum e mortificação,
comuns na época anterior ao Concílio, não lhes dizem nada. Só se travestem de
tradicionais no uso de batina, ou
cleryman e no gosto por cerimônias pomposas, sem jamais assumir a dureza e a
pobreza com que a maioria dos padres “de antes do Concílio” viviam o seu
ministério.
Ao preparar
o Concílio Vaticano II, o papa João XXIII propôs como critério de renovação
eclesial “voltar às fontes da fé”, isso é, retomar o ideal dos primeiros
cristãos e atualizá-lo para os dias atuais. Em princípio, esse projeto de volta
ao Cristianismo primitivo deveria ser considerado mais conservador do que quem
se apega a um modelo de Igreja dos séculos modernos. De fato, quem é mais
conservador, um padre que se apega ao clericalismo e ao modelo de Igreja do
século XIX, ou o grupo da caminhada que tem como critério o Cristianismo dos
primeiros tempos – relido à luz do que o Espírito diz hoje às Igrejas?
A Igreja é
Católica porque é aberta a tudo o que é humano. Deve acolher e abrigar em seu
seio pessoas de diversas tendências e mentalidades. O importante é que se
respeitem e caminhem para a unidade realizada a partir da diversidade. Uns
podem ajudar os outros a aprofundar a expressão de sua fé e evitar o dogmatismo
que exclui. Por trás de tudo isso, o mais profundo é a questão sobre que imagem
de Deus temos e testemunhamos aos outros. O importante é atualizar para nós e
nossa pastoral a palavra de Jesus: “Chegou a hora em que nem nesse monte, nem
em Jerusalém deveis adorar. O Pai é espírito e verdade e os seus adoradores
devem adorá-lo em espírito e verdade” (Jo 4, 23 ss).
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países
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