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sexta-feira, 14 de agosto de 2015

IRMÃ ODETE: UMA VIDA SEMEADA EM TERRA BOA


  Por Maria Clara Lucchetti Bingemer 



Leio chocada a notícia sobre o assassinato da Irmã Odete Aparecida dos Anjos, da congregação franciscana de Sissen, de 65 anos, na Fazenda Esperança, em Guaratinguetá.  Junto com outra irmã, foi surpreendida por um assaltante.  Hoje se sabe que foi alguém que já passou pela Fazenda para recuperar-se da dependência química, mas saiu antes do prazo previsto para recuperação. 

A Fazenda da Esperança é um dos maiores projetos para reabilitação de dependentes químicos no mundo e atua por meio de 94 comunidades terapêuticas A iniciativa teve início em Guaratinguetá, na década de 1980, e já atendeu mais de 30 mil usuários de drogas desde sua fundação. Atualmente, na sede da entidade são atendidos cerca de 350 dependentes e pelo local já passaram mais de 7 mil pessoas.

Frei Hans, um franciscano alemão de voz de trovão e coração cheio de Evangelho, comanda a instituição, juntamente com Nelson Giovanelli Rosendo, leigo que dedica a vida à causa da recuperação dos dependentes químicos desde a mais tenra juventude. Quando ainda adolescente, assistia à missa que celebrava Frei Hans na paróquia do bairro.  Preocupava-o um grupo de jovens que na esquina fumava maconha; um dia, aproximou-se deles e conversou.  Falou com Frei Hans e começou a germinar a ideia de fazer um projeto de recuperação para as pessoas que querem curar-se da dependência.

Assim nasceu a Fazenda Esperança, trabalhando há várias décadas para reintegrar pessoas destruídas pela droga, com um projeto feito de espiritualidade e muito amor.  Em 2007, o local foi visitado pelo Papa Emérito Bento XVI. Eu participei deste momento e foi emocionante ver o Papa, com sua timidez alemã, passando sem segurança no meio dos recuperandos, apertando mãos, distribuindo bênçãos e terços, diante de uma multidão emocionada.

Este é o projeto apostólico no qual Irmã Odete se engajou e comprometeu a vida.  Como muitos outros, sacerdotes, religiosos e leigos, ela decidiu consagrar sua vida à Fazenda Esperança, passando a comunidade a ser sua residência, seu cotidiano, sua inspiração para viver, o sentido de sua existência. Ocupava-se da catequese, ensinando o catecismo e a doutrina cristã aos que ali vinham buscar um sentido para suas vidas e a cura para a dependência.

Na última sexta feira, um assaltante encapuzado entrou na residência das irmãs onde estavam Irmã Odete e uma outra religiosa.  Queria dinheiro.  Ante o susto de Irmã Odete, que ameaçou chamar a polícia, ele a matou com oito facadas.  Ela morreu no local.

A direção da Fazenda Esperança nunca admitiu segurança no local. 

 Ali tudo é aberto, desde as portas até os corações.  E, se intuo corretamente, vai continuar assim.  Frei Hans não acredita em adotar as mesmas medidas de nossa sociedade tão cruel e impiedosa, que produz os dependentes químicos dos quais ele trata, para proteger a comunidade que fundou e é a razão de seu viver.  Tampouco acredita em polpudas mensalidades a serem cobradas dos dependentes que ali aportam, alguns de famílias muito abastadas.  Todo seu trabalho é baseado na gratuidade.  O que não significa que não possa receber doações.  Mas o serviço ali realizado não é cobrado.  De ninguém.

Às vezes, o preço a pagar por viver tão radicalmente o Evangelho é alto.  Por exemplo, a vida de Irmã Odete.  O suspeito de havê-la matado é um dependente que já havia passado pela Fazenda.  Saiu sem recuperar-se - como acontece com muitos – e já havia inclusive praticado ultimamente pequenos furtos na instituição. 

 No funeral da Irmã, acompanhado por dezenas de pessoas, Frei Hans declarou ter rezado muito para não sentir ódio ou raiva do assassino, o qual, segundo ele, “deve estar sofrendo mais do que nós.“

Sepultada no lugar ao qual se consagrou e onde trabalhava, Irmã Odete, ressuscitada, intercede agora pela Fazenda Esperança.  Em um mundo light, onde todo dever parece eclipsado, toda dedicação desvalorizada e a vida banalizada, seu testemunho brilha e convoca.  “Se o grão de trigo não morrer, fica só.  Mas se morrer dá muito fruto.” A vida de Irmã Odete é como essa semente que caiu em terra boa.  Cremos e esperamos que dará muito fruto.

 MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER é teóloga e é autora de “O  mistério e o mundo –  Paixão por  Deus em tempo de descrença”, Editora  Rocco.
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