Por Leonardo Boff
Hoje para cuidar da Terra
como nos sugeriu detalhamete o Papa Francisco em sua encíclica “Cuidado da Casa
Comum” exige-se “uma conversão ecológica global”, “mudanças profundas nos
estilos de vida, nos modelos de produção e de consumo, nas estruturas
consolidadas de poder”(n.5). Esse propósito jamais será alcançado senão amarmos
efetivamente a Terra como nossa Mãe e soubermos renunciar e até sofrer para
garantir sua vitalidade para nós e para toda a comunidade de vida (n.223). A
Mãe Terra é a base que tudo sustenta e alimenta. Nós não podemos viver sem ela.
A sistemática agressão que sofreu nos últimos séculos tiraram-lhe o equilíbrio
necessário. Eventualmente, poderá continuar pelos séculos afora, mas sem nós.
No dia 13 de agosto deste
ano de 2015 ocorreu o Dia da Sobrecarga da Terra (The Earth Overshoot Day), dia
em que se constatou a ultrapassagem da biocapacidade da Terra em atender as
demandas humanas. Precisa-se de 1,6 planeta para atendê-las. Em outras
palavras. Isso demonstra que o nosso estilo de vida é insustentável. Nesse
cálculo não estão incluidas as demandas da inteira comunidade de vida. Isso
torna mais urgente a nossa responsabilidade pelo futuro da Terra, de nossos
companheiros de caminhada terrenal e de nosso projeto planetário.
Como cuidar da Terra? Em
primeiro lugar há que considerar a Terra como um Todo vivo, sistêmico no qual
todas as partes se encontram interdependentes e interrelacionadas. A Terra-Gaia
fundamentalmente é constituída pelo conjunto de seus ecossistemas e com a
imensa biosdiversdade que neles existe e com todos os seres animados e inertes
que coexistem e sempre se interrelacionam como não se cansa de afirmar o texto
papal, bem na linha do novo paradigma ecológico.
Cuidar da Terra como um
todo orgânico é manter as condições pré-existentes há milhões e milhões de anos
que propiciam a continuidade da Terra, um super Ente vivo, Gaia. Cuidar de cada
ecosistema é compreender as singularidades de cada um, sua resiliência, sua
capacidade de reprodução e de manter as relações de colaboração e mutualidade
com todos os demais já que tudo é relacionado e includente. Compreender o
ecossistema é dar-se conta dos desequilíbrios que podem ocorrer por
interferências irresponsáveis de nossa cultura, voraz de bens e serviços.
Cuidar da Terra é
principalmente cuidar de sua integridade e vitalidade. É não permitir que
biomas inteiros ou toda uma vasta região seja desmatada e assim se degrade,
alterando o regime das chuvas. Importante é assegurar a integridade de toda a
sua biocapacidade. Isso vale não apenas para os seres orgânicos vivos e
visíveis, mas principalmente para os microorganismos. Na verdade, são eles os
ignotos trabalhadores que sustentam a vida do Planeta. Diz-nos o eminente
biólogo Edward Wilson que “num só grama de terra, ou seja, menos de um punhado
de chão, vivem cerca de 10 bilhões de bactérias, pertencentes a até 6 mil
espécies diferentes”(A criação, 2008,p.26). Por aí se demonstra, empiricamente,
que a Terra está viva e é realmente Gaia, superorganismo vivente e nós, a
porção consciente e inteligente dela.
Cuidar da Terra é cuidar
dos “commons”, quer dizer, dos bens e serviços comuns que ela gratuitamente
oferece a todos os seres vivos como água, nutrientes, ar, sementes, fibras,
climas etc. Estes bens comuns, exatamente por serem comuns, não podem ser
privatizados e entrar como mercadorias no sistema de negócios como está
ocorrendo velozmente em todas as partes. A Avaliação Ecosistêmica do Milênio,
inventário pedido pela ONU de uns anos atrás, no qual participaram 1.360
especialistas de 95 países e revisados por outros 800 cientistas trouxeram
resultados amedrontadores. Entre os 24 serviços ambientais, essenciais para a
vida, como água, ar limpo, climas regulados, sementes, alimentos, energia,
solos, nutrientes e outros, 15 estavam altamente degradados. Isto sinaliza
claramente que as bases que sustentama vida estão ameaçadas.
De ano para ano, todos os
indices estão piorando. Não sabemos quando esse processo destrutivo vai parar
ou se transformar numa catástrofe. Havendo uma inflexão decisiva como o temido
“aquecimento abrupto”, que faria o clima subir entre 4-6 graus Celsius, como
advertiu a comunidade científica norte-americana, conheceríamos dizimações
apocalípticas afetando milhões de pessoas. Temos confiança de que iremos ainda
despertar. Mais que tudo cremos que “Deus é o Senhor soberano amante da
vida”(Sb 11,26) e não deixará acontecer semelhante Armagedom.
Cuidar da Terra é cuidar
de sua beleza, de suas paisagens, do esplendor de suas florestas, do encanto de
suas flores, da diversidade exuberante de seres vivos da fauna e flora.
Cuidar da Terra é cuidar
de sua melhor produção que somos nós seres humanos, homens e mulheres
especialmente os mais vulneráveis. Cuidar da Terra é cuidar daquilo que ela
através de nosso gênio produziu em culturas tão diversas, em línguas tão
numerosas, em arte, em ciência, em religião, em bens culturais especialmente em
espiritualidade e religiosiadade pelas quais nos damos conta da presença da
Suprema Realidade que subjaz a todos os seres e nos carrega na palma de sua
mão.
Cuidar da Terra é cuidar
dos sonhos que ela suscita em nós, de cujo material nascem os santos, os sábios,
os artistas, as pessoas que se orientam pela luz e tudo o que de sagrado e
amoroso emegiu na história.
Cuidar da Terra é,
finalmente, cuidar do Sagrado que arde em nós e que nos convence de que é
melhor abraçar o outro do que rejeitá-lo e que a vida vale mais que todas as
riquezas deste mundo. Então ela será de fato a Casa Comum do Ser.
Leonardo Boff é colunista do Jornal do Brasil on Line e ecoteólogo. É autor do livro Saber Cuidar.
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