por Marcelo
Barros
Até poucos
dias, quem vivesse em Goiânia ou, por acaso, passasse nessa cidade, poderia nem
saber que ali vivia um sábio. Oculto pela sua simplicidade de vida e pela
humildade do seu ser, ele não chamava a atenção sobre si, nem tinha consciência
de ser uma pessoa tão importante. Era principalmente um religioso de espírito
missionário e profundamente aberto à realidade social do mundo e à renovação a
qual Deus chama permanentemente a sua Igreja. Esse sábio se chamava Frei
Humberto Pereira de Almeida.
Até poucos anos, quem frequentava a Igreja de
São Judas Tadeu, no Setor Coimbra, encontrava o frei Humberto em pleno
exercício do seu ministério. Através do seu modo de ser, muita gente conheceu o
carisma dominicano da inteligência amorosa da fé e a alegria de partilhar com
os irmãos e irmãs tudo o que Deus nos revelou. Nos anos 80, com sua
simplicidade, Frei Humberto ocupou durante cinco anos a presidência da Conferência
dos Religiosos no Regional Centro-oeste. Durante onze ano, foi subsecretário,
isso é, coordenador, da CNBB Regional, que, na época abrangia o hoje Goiás,
Tocantins, Brasília e parte do Mato Grosso. Além disso, exerceu vários cargos
em sua ordem religiosa. Durante muito tempo,foi prior do convento dominicano em
Goiânia. Mesmo quando a saúde não lhe permitia mais exercer a função de pároco
de São Judas, ele ajudava a paróquia em tudo o que podia. Ali fundou um grupo de casais cristãos que se
chama “ENCASA”, (Encontro de Casais). Com esse grupo desenvolveu uma excelente experiência
de Pastoral Familiar. A partir dessa experiência, publicou vários livros como
“A família no mundo em transformação” (Paulus, 2010) e outros sobre a vocação dos presbíteros e a
missão que a Igreja tem de renovar-se permanentemente.
Nesses
dias, todos os que o conheceram e tiveram o privilégio de conviver com ele sofrem o impacto da sua repentina partida e
vivem a sensação de orfandade de quem viu partir um pai bondoso e um profeta da
ternura divina. Frei Marcos Sassatelli, irmão e companheiro de missão, destacou
três qualidades ou virtudes que caracterizavam frei Humberto: a simplicidade
evangélica, uma imensa sabedoria de vida
e a capacidade de expressar de modo simples e profunda uma vida inteira
centrada na fé. Frei Marcos escreveu: “Frei Humberto foi um homem simples,
humilde, generoso, sensível, emotivo, alegre (mas também sério, quando
precisava), fraterno e acolhedor. Ele mostrava-se sempre interessado na vida e
missão de seus Irmãos Dominicanos, ficando feliz com o trabalho deles. Em sua
missão pastoral, estava sempre atento - com muito respeito - às diferentes
situações de vida em que se encontram as famílias do nosso povo. Frei Humberto
era um pai, um irmão, que sofria com quem sofria, se alegrava com quem se
alegrava e sabia sempre dizer a palavra certa no momento certo”.
Ainda hoje
há quem pense o profeta como alguém que adivinha o futuro e prevê a sorte.
Conforme a Bíblia, profeta é quem, inspirado pelo Espírito, sabe discernir e
testemunhar o que Deus diz, hoje, às Igrejas e ao mundo. Em geral, o povo
bíblico tinha três tipos diversos de servidores: os sacerdotes, profetas e
sábios. Os sacerdotes viviam no templo e cuidavam dos cultos e sacrifícios. Os
profetas eram pessoas do povo que discerniam a palavra de Deus e, através do
trabalho pela justiça, lutavam por
colocá-la em prática na sociedade. Os sábios eram conselheiros que ajudavam as
pessoas a unir a palavra de Deus e a vida cotidiana, através da experiência e
da cultura das comunidades populares. Geralmente, essas vocações se
diferenciavam e até uma vez ou outra se contrapunham. No Novo Testamento, Jesus
fez de todos nós um povo de sacerdotes e profetas. Na pessoa de frei Humberto,
Deus nos deu um irmão que soube unir bem essas vocações. Ele era um excelente
padre. Tornou-se um profeta da bondade de Deus. E, por sua experiência humana e
pastoral, exercia essas funções como verdadeiro doutor da Igreja. Sua partida
repentina nos deixa mais órfãos. No entanto, assim como Eliseu recolheu o manto
de Elias e prosseguiu o seu ministério, somos
chamados/as a continuar a missão do frei Humberto, no cuidado uns com os
outros e para que se realize no mundo o projeto divino da paz e da justiça.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países
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