Por Marcelo
Barros
Para
enfrentar os grandes problemas ecológicos e para superar o modelo de
organização social que joga as pessoas umas contra as outras, os povos da terra
precisam se unir para além dos nacionalismos e de quaisquer ideologias que os
dividam. Para isso, é importante que os movimentos sociais e as comunidades de
todas as tradições espirituais se unam em um grande mutirão pela construção da paz
e da unidade. Essa foi uma das afirmações centrais do Documento final do
encontro de movimentos sociais de todo o mundo, reunidos em Santa Cruz de la
Sierra, Bolívia, em julho desse ano. Eram mais de 1500 representantes de
grupos, organizações e movimentos sociais. Pela segunda vez, foram convocados
pelo papa Francisco. Ele os acolheu, recebeu o manifesto votado pelos participantes
e os confirmou na missão de reunir a humanidade para um caminho novo de
unidade, paz e justiça eco-social.
No final do encontro, a
assembleia votou em um documento, chamado “Carta de Santa Cruz”. Nesse texto, todos
concordam com o papa que “as problemáticas social e ambiental emergem como duas
faces da mesma moeda” e retomam as palavras do papa ao afirmar: “Um sistema
incapaz de garantir terra, trabalho e teto para todos, um sistema que destrói a
paz entre as pessoas e ameaça a própria subsistência da Mãe Terra, não pode
continuar a reger o destino do planeta”.
Por isso, os representantes dos movimentos sociais ali reunidos afirmam:
“Devemos superar um modelo social, econômico e cultural onde o mercado e o
dinheiro se converteram nos reguladores das relações humanas em todos os
níveis”. Para isso, se comprometem a lutar pacificamente de todos os modos para
“impulsionar e aprofundar o processo de mudanças”, “viver bem, em harmonia com
a Mãe Terra”, “defender a dignidade do trabalho”, “apoiar o direito humano de
todos a uma moradia digna, construir uma verdadeira soberania alimentar que
supere a fome e a desnutrição, rejeitar o consumismo e, acima de tudo, defender
a solidariedade como projeto de vida”.
O papa respondeu
reafirmando que os movimentos sociais têm uma importância fundamental na
transformação do mundo. Pediu que as Igrejas cristãs se coloquem em diálogo e
junto com eles na construção do projeto divino da paz e da justiça na terra. Embora
o papa saiba que não é essa a visão que a maioria dos bispos, padres e pastores
têm sobre a missão da Igreja, lembra os evangelhos e o testemunho de Jesus. Insiste
que a Igreja deve voltar-se para o mundo e ser uma “Igreja em saída de si mesma”.
Há 50 anos, o Concílio Vaticano II promulgou a Constituição pastoral sobre a
Igreja no mundo de hoje. Nela, os bispos católicos de todo o mundo afirmaram
que “as alegrias e esperanças, tristezas e dores de toda a humanidade são as
alegrias e esperanças, tristezas e dores que a Igreja deve viver”. A partir
dali, surgiram as pastorais sociais e a decisão de colocar a Igreja “a serviço
das causas mais urgentes e fundamentais da libertação de todos os povos e de
cada pessoa humana” (Medellin 5, 15).
Ao completar 50 anos
desse documento, o papa Francisco convida a Igreja Católica a entrar em um “ano
da misericórdia”, compreendida como a solidariedade divina, no cuidado
permanente com a terra e com toda a humanidade.
No Brasil atual, muitos
dos mais importantes meios de comunicação social insistem em apresentar a
realidade do país como um desastre total e como um fracasso sem saída. Quem tem
consciência social sabe que a verdade não é essa. Enfrentamos muitos problemas
e as soluções não virão dos palácios. Nem podemos confiar no Congresso,
dominado por figuras que estão ali, não para representar o povo e sim para
defender interesses corporativos, seus e das empresas que financiaram suas
candidaturas. Na Bolívia, o papa afirmou aos movimentos sociais: “Sob o nobre
disfarce da luta contra a corrupção, vemos que se impõem aos governos medidas
que nada têm a ver com a resolução dos problemas e muitas vezes tornam as
coisas ainda piores”.
Nossa esperança só
poderá vir das organizações sociais de base e das lutas pacíficas que esses
grupos farão para transformar a sociedade. É tarefa de todos os cidadãos e
cidadãs apoiar essas lutas e participar desse processo de transformação. As
pessoas que creem fazem isso como sinal de que Deus tem para o mundo um projeto
de paz, justiça e comunhão com a natureza e é nossa missão fazer tudo para esse
projeto aconteça. Diariamente, os cristãos oram ao Pai: “venha a nós o teu
reino”.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países
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