por Frei Betto
Às 11 da manhã, a mulher parou na Avenida Paulista, junto a um ponto de ônibus.
Buscava um táxi. Súbito, um sujeito se aproximou. Aos berros, disse:
“Vagabunda! Sai de casa, arruma outro e ainda quer usar o que comprei com meu
dinheiro!” Arrancou o colar, a pulseira, enfiou a mão na bolsa e se afastou
resmungando.
A mulher ficou paralisada, lívida. Cerca de dez pessoas no ponto de ônibus
assistiram à cena, convictos de que em briga de marido e mulher ninguém mete a
colher. Ao se recuperar do susto, conseguiu dizer que era bem casada e nunca
vira o ladrão que desaparecera na esquina.
Ele apareceu em uma concessionária de veículos às 16h30. Examinou as ofertas e
escolheu um Land Rover Discovery 4x4, zero quilômetro. Após apresentar
documentos e atestado de residência, pagou, no cheque, R$ 244 mil. Feliz, saiu
dirigindo.
Quarenta minutos depois o mesmo veículo retornou à concessionária; agora,
conduzido por outro motorista. Queria comprar equipamentos. O gerente indagou
se era parente do comprador. “Não” – disse o cliente – “acabo de pagar, em
dinheiro, cento e setenta mil por este carro”.
O gerente entrou em pânico, sentiu-se vítima do cheque sem fundo. Chamou a
polícia e, acompanhado do delegado, bateu na casa do primeiro comprador. Lá
estava ele, tranquilo, arrumando as malas. Tinha passagem aérea para embarcar,
naquela noite, para Buenos Aires.
Diante da fúria do gerente e da inquirição do delegado, o sujeito convocou seu
advogado. O carro não era dele? Se quisesse, podia tê-lo vendido por R$ 1. Ou
doado.
“OK” – retrucou o delegado – “mas o senhor só viaja depois que o banco abrir
amanhã e ficar comprovado que o cheque tem fundos.” Impossível adiar a viagem.
Na manhã seguinte teria que assinar um contrato na capital argentina e, se não
aparecesse, perderia em multa US$ 200 mil. O gerente, convencido de se tratar
de um estelionatário, aceitou o acordo proposto pelo advogado: o cliente
suspenderia a viagem, mas se o cheque tivesse fundos ele seria ressarcido em
US$ 200 mil.
O homem cancelou a viagem. Na manhã seguinte, confirmou-se: o cheque tinha
fundos.
Reunida a diretoria do banco, o presidente abriu o jogo: havia provas de que o
diretor-tesoureiro desviara alguns milhões de reais para a sua conta privada. Surpresos,
todos encararam o acusado. Antes que ele pudesse fazer uso da palavra, o
presidente acrescentou que o banco preferia evitar escândalos, de modo a
preservar seu bom nome na praça. Bastava o diretor devolver o valor, em
dinheiro e bens, e assinar a carta de demissão.
O acusado, imbuído de fleuma britânica, advertiu: “Em todos esses anos na
tesouraria documentei inúmeras falcatruas cometidas pelos senhores e pela
própria instituição bancária. Se eu for preso, os senhores também irão. Que
fique bem claro: deixo hoje o banco, viajo esta noite para o exterior e a minha
conta permanece intocada. De acordo?”
Ninguém discordou.
O caminhão-reboque do Detran parou à porta da faculdade. Várias motos se
encontravam estacionadas de modo irregular. Os fiscais armaram a rampa na
carroceria e passaram a recolhê-las. Para evitar arranhões em suas máquinas
possantes, alguns motoqueiros ainda ajudaram a subi-las.
Passados menos de 30 minutos, confirmaram não se tratar do Detran...
O deputado Paulo Maluf foi acusado de pagar R$ 4,901 milhões, em 1996, quando
prefeito de São Paulo, por um serviço que não foi feito na construção do
Complexo Ayrton Senna, em São Paulo. Pagou com dinheiro seu (não dele), meu, nosso.
Na terça, 7 de agosto de 2007, o STF mandou arquivar o processo. Alegou que,
mesmo que Maluf fosse culpado, o crime prescrevera.
Portanto, no Brasil basta prolongar o processo até o crime prescrever.
Frei Betto
é escritor, autor do romance policial “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros
livros.
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