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quarta-feira, 15 de setembro de 2021

AMOR AO PRÓXIMO E AMOR A DEUS, EM TEMPOS DE CORONAVIRUS (2)

 FREI ALOÍSIO FRAGOSO


(13/09/2021)

 

 

     No intento de prosseguir em nossa abordagem sobre o amor divino e o amor humano, entregamos a palavra a um novo personagem, unanimamente reconhecido como o maior orador sacro da língua portuguesa, Pe. Antônio Vieira. Desta vez invertemos a ordem dos fatores, sem afetar o valor essencial, partindo do amor humano para chegar ao amor de Deus.

     Foi no ano de 1643. Na capela do hospital real em Lisboa. Chamado a fazer a homilia festiva, Vieira pegou o mote do ambiente hospitalar e escolheu, como tema, o amor, o amor magoado, fraturado, enfermo. Iniciou lembrando que estavam todos reunidos numa casa de doentes e que ele tinha certeza de que Deus encontrava-se também ali internado. Mas sua doença era incurável, era excesso de amor.

     A partir daí, Vieira discorre longamente sobre as ilusões e a provisoriedade do amor humano, em confronto com a segurança e perenidade do amor divino. Confesso que não escuto de bom grado esse antagonismo entre dois amores que, na verdade, procedem de uma única fonte. Decerto Vieira está alertando para os desvios e engodos dos amores,  quando postos em corações humanos.

 

     Ele trata da cura para a enfermidade do amor e aponta 4 remédios eficazes: o tempo, a ausência, a ingratidão e outro amor maior.

     Já vimos que a mitologia grega representa o amor na figura de um menino, o famoso Cupido, armado de flechas e asas. "O amor é sempre menino, afirma Vieira, porque não envelhece, sendo verdadeiro. O tempo tira a novidade das coisas; descobre-lhes os defeitos; enfastia-lhes o gosto e basta que sejam  usadas para não serem as mesmas. O próprio amor é causa do não amar e o se ter amado muito, de se amar menos. Para as outras enfermidades a dilatação do tempo é perigo, para os males do amor, no entanto, é cura". Neste caso, Vieira está se referindo àquele amor marcado pela fraqueza, pela inconstância, pela carência de razão, pelo excesso de apetite. Este amor é doença, não é amor. O amor verdadeiro está preservado da ação do tempo. Nem os anos o diminuem, nem os séculos o enfraquecem, nem a eternidade o cansa. Nas demais situações da vida, as coisas que deixaram de ser é porque já foram;  no amor, ao contrário, o deixar de ser   é sinal do nunca ter sido. Deixastes de amar? Então nunca amastes! Teu amor chegou ao fim? Então nunca teve princípio!"

     O segundo remédio para curar a enfermidade do amor é a ausência. Vieira lembra que o amor é como a lua, havendo a terra no meio, acontece o eclipse. Semelhantemente, a distância entre as pessoas, aqui na terra, tira as forças do amor. Ele descreve um exemplo com cenas metafóricas: "despediram-se com grandes demonstraçôes de afeto os que muito se amavam. Apartaram-se enfim. E, se tomardes o pulso ao mais enternecido, achareis que palpitam no coração as saudades; que rebentam nos olhos as lágrimas; que saem da boca alguns suspiros;  são as últimas respirações do amor. Mas, se voltardes, depois deste ofício de corpo presente, que achareis? Os olhos enxutos, a boca muda, o coração sossegado; tudo esquecimento, tudo frieza; a ausência fez seu ofício, como a morte: apartou e, depois de apartar, esfriou".

     Tratando-se, porém, do verdadeiro amor, a distância não pode desfazê-lo porque ele não é a união de lugares e sim a união de vontades. A distância, neste caso, pode apartar os corpos, mas não pode dividir os corações, pode impedir a vista, mas não esfriar o afeto"

     Neste ponto Vieira faz uma belíssima associação com o amor transcendental da Santíssima Trindade, cuja versão o limite do espaço nos obriga a adiar para a próxima Reflexão.

     A pandemia do coronavirus trouxe-nos exemplos de sobra, ilustrando estas idéias do Pe. Vieira. Lembremos o caso real, divulgado nas "redes", do jovem infectado pelo virus da covid, desenganado pelos médicos, consciente de sua morte próxima.  Seu último gesto foi pedir o celular do médico. Queria falar com sua mãe. Na hora de confrontar-se com o Grande Mistério, ele buscou a luz do amor distante. Naquele momento, amor filial e amor materno,  conectados,  transcenderam, divinizaram-se e fundiram-se numa só coisa.

-Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor

 

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