O Jornal On Line O PORTA-VOZ surgiu para ser o espaço onde qualquer pessoa possa publicar seu texto, independentemente de ser escritor, jornalista ou poeta profissional. É o espaço dos famosos e dos anônimos. É o espaço de quem tem alguma coisa a dizer.

domingo, 12 de setembro de 2021

AMOR A DEUS E AMOR AO PRÓXIMO, EM TEMPOS DE CORONAVIRUS

 

 FREI ALOÍSIO FRAGOSO


(07/09/2021)

 

     A função de um Princípio Unificador Universal, conferida ao deus Eros na antiga mitologia grega, o Cristianismo transpôs para o Cristo Messias. S. Paulo a descreve com palavras breves e solenes: "Nele, por Ele e para Ele são todas as coisas" Rom. 11, 36.

       No entanto,  a evolução desta idéia, através dos séculos, esteve condicionada à diversidade cultural dos povos e épocas e, simultaneamente, subordinada ao poder político,  com suas ambições e corrupção.

     A despeito disso, jamais se aniquilou a utopia original. Ela foi se recompondo à medida em que a prática monotoista  sobrepujava o politeismo.  As provas disso não se encontram em doutrinas, liturgias e teologias, mas sim na espiritualidade dos grandes místicos.

      Leia-se este poema do místico muçulmano Rabia, do ano 800: "Senhor, se eu te adorar pelo medo do inferno, queima-me em suas fogueiras. Se eu te adorar pelo Paraíso, exclua-me do Paraíso. Mas se eu te adorar pelo que és, não escondas de  mim a tua face. Os bens terrenos que me reservaste, dá-os aos meus inimigos. Os bens que me reservaste para a outra vida, dá-os aos teus amigos. Quanto a mim, Tu me bastas."  E compare-se com este outro de Sta.Teresa d'Ávila, mística cristã do ano 1560:  "não me move, Senhor, para querer-te, o céu que me hás um dia prometido. E não me move o inferno tão temido, para deixar por isso de ofender-te. Moves-me ao teu amor de tal maneira, que, a não haver o céu, inda te amara, e, a não haver o inferno, te temera. Nada tens que me dar porque te queira, pois se o que ouso esperar não esperara, o mesmo que te quero te quisera". Esta convergência  mística foi capaz de abrir o diálogo entre cristãos e muçulmanos infinitamente mais do que as Cruzadas da Idade Média.

     Somos limitados pela pobreza da linguagem ao nosso dispor. Usamos a mesma palavra de quatro letrinhas mágicas para designar idéias contrapostas: "amor de Deus", "morrer de amor", "fazer amor", "matar por amor", etc. E as quatro letrinhas perdem sua magia. Temos, pois, de superar os limites da linguagem para entrar na compreensão do amor divino.

     Nesta busca de superação, os grandes místicos mergulhavam na transcendência. A exemplo de Sta. Teresa d'Ávila: "Vivo sem viver em mim, e tão alto bem almejo, que morro por não morrer".

      Incapazes de ir tão longe, nós, o comum dos mortais, indagamos: o que pode provar que amamos a Deus?  A oração da fé?  A construção de templos suntuosos? A peregrinação a lugares santos? A assistência ao culto? O jejum e a penitência?  Jesus responde com uma regra de ouro:  "tudo que fazeis aos irmãos mais pequeninos, é a mim que fazeis" cf. Mt. 25, 31-36. Isso é que prova, o resto apenas  expressa o amor.

     A pandemia do coronavirus abriu as cortinas do mundo para assistirmos ao drama comovente de fatos reais de amor sem distinção, sem discriminação, para além de fronteiras e crenças. Segue um exemplo brasileiro:

 

     Depois de acordar diariamente às 5h da manhã, Jean Carlos de Assis, 52, se veste e se arma para combater o covid. De macacão branco, máscara, óculos, bota, luvas e touca, ele se põe a desinfetar os espaços públicos em Betim. Percorre quilômetros de ruas e avenidas onde há maior circulação de pessoas. E o faz com a alegria de  quem encontrou uma nova razão de vida. Ele mesmo confessa: "sinto-me orgulhoso e feliz porque estou ajudando a acabar com esta pandemia".

     Aí está uma semelhança do amor de Deus no exercício de uma modesta profissão.

 

 

 

-Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor

Nenhum comentário:

Postar um comentário