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segunda-feira, 6 de setembro de 2021

AMOR DESDE SEMPRE, EM TEMPOS DE CORONAVIRUS (2)

 FREI ALOÍSIO FRAGOSO


(04/09/2021)

 

     Parece ser uma tarefa difícil tomar a defesa do amor contra as ameaças dos preconceitos e discriminações. Afinal de contas, se dois parceiros decidem amar-se, nada poderá impedi-los, enquanto perdurar sua convergência de desejos e sentimentos. Isso seria uma verdade irrefutável, caso eles pudessem confinar seu amor no mundo dos sentimentos e das palavras. Porém o amor é sobretudo uma construção de vidas em parceria. Vidas humanas não se constroem à margem dos acontecimentos em sua volta. Amor algum é uma ilha.

     Ao contrário, somos enriquecidos pela experiência dos que, antes de nós, caminharam pelas suas trilhas. E no amor encontraram o valor único, em função do qual se nasce, se vive, se morre.

     Da antiga civilização grega herdamos a figura de EROS, símbolo do amor romântico, associado ao prazer, ao desejo, à paixão. Quem foi Eros? Segundo a narrativa de Platão, os deuses banqueteavam-se, celebrando o aniversário da deusa  AFRODITE. Então PORO, a abundância, embebedou-se de nectar e adormeceu no jardim. Foi aí que PÊNIA,  a penúria, aproveitando-se da situação, manteve com ele uma relação carnal. Desta união da abundância com a penúria nasceu EROS, esta figura de garoto travesso, ambivalente, sedutor e matreiro, atraente e ilusório, às vezes de venda nos olhos, armado de arco e flecha  pronto a "ferir" quem se oferece ao seu alvo. No entanto, AFRODITE desgostava-se do filho porque ele permanecia criança, não crescia. Consultou TEMIS, a prudência, e esta lhe fez ver o motivo: EROS vivia muito solitário, precisava de companhia, precisava de um irmão. AFRODITE deu à luz outro filho, ANTEROS, e, daí em diante, o pequeno deus passou a crescer e tornou-se o mais belo deus do Olimpo.

      A sabedoria dos gregos nos legou também a ciência dos quatro elementos planetários, terra, água, fogo, ar. Alguns de seus pensadores julgaram necessário acrescentar mais dois: o amor e o ódio; o primeiro como força de atração e o segundo como força de repulsão. Daí firmou-se a crença no amor cósmico, a saber, nada que tem vida sobrevive sem o impulso de uma energia amorosa. As plantas amariam a terra através das leis da vegetação. Os animais se amariam através dos instintos naturais. Até os corpos químicos participariam desta lei universal pela afinidade de uns com os outros.

     O Cristianismo abandonou esta concepção do amor cósmico. O amor é distintivo exclusivo do ser humano, único feito à imagem e semelhança do Criador. Nem por isso devemos descartar o legado luminoso da mitologia grega. O amor exige parceria e relação pessoal. Onde isso não se dá, a pessoa não está habilitada a crescer e aperfeiçoar-se. Na solidão ela perde suas energias vitais, apenas subsiste, apenas circula em volta de si, (como diz Raul Seixas), "esperando a morte chegar".

     A pandemia do coronavirus remontou-nos àquela visão bipolar do amor cósmico. Quem olhou  atento às reações emocionais de algumas pessoas logo após a vacinação, decerto vislumbrou algo de sobrenatural, uma espécie de êxtase, o ápice de um ato de amor gerado de muitos fatores: o trabalho silencioso e oculto dos cientistas, o serviço dos profissionais de saúde ali presentes e também o movimento da matéria química penetrando no corpo agraciado.

    Simultaneamente eclode a força oposta do caos. Ele acomete nas atitudes do mandatário da nação e seus asseclas, pregando a intolerância ideológica, o preconceito patológico, a xenofobia, acionando a energia repulsiva do ódio .

     É hora de acionar Princípio Unificador, pelo poder da Fé.  O Deus que esteve em quaisquer manifestações de amor, desde o princípio do mundo, que esteve em Eros, estará, infinitamente, em nós. E, neste momento, nos convoca para a ação.

-Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor

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