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quarta-feira, 22 de setembro de 2021

AMOR AO PRÓXIMO E AMOR A DEUS, EM TEMPOS DE CORONAVIRUS (4)

 FREI ALOÍSIO FRAGOSO


(17/09/2021)

 

     Retornamos ao ano de 1643 a fim de continuar apreciando a pregação do maior orador sacro da língua portuguesa, desta vez com o propósito de conclui-la. Tendo apontado três remédios eficazes para curar o amor enfermo, Vieira encerra a série com o de efeito mais imediato: um outro amor maior.

 

     Pode acontecer que nem o remédio natural do tempo, nem o artificial da ausência nem o violento da ingratidão consegue curar a enfermidade do amor. Dizem que amor com amor se paga.  Mais certo é dizer que amor com outro amor se apaga. Assim como dois contrários não podem estar juntos em um só sujeito, assim também, no mesmo coração, não podem caber dois amores, porque o amor que não é inteiro não é amor. Também costuma-se afirmar que o contrário da luz são as trevas. Não é verdade. O contrário da luz é outra luz maior. Vejam as estrelas: no meio das trevas brilham e resplandecem mais, porém, em aparecendo o sol, desaparecem as estrelas. De modo semelhante, o melhor remédio para curar o amor enfermo é um outro amor maior.

 

     Ah, Senhor, que só o vosso amor, que não teve remédio, possa ser remédio para as loucuras do nosso. Remediai tantas cegueiras! Remediai tantos desatinos! Remediai tantas perdições! E pelo amor com que nos amastes até o fim, tenha hoje fim todo amor que não leve a Vós!

 

      Vieira prolonga-se bem mais tempo em sua eloquência e afirma  ao final: O verdadeiro amor não procura a causa nem o fruto. Se eu amo porque me amam, meu amor tem uma causa. Se amo para que me amem, estou buscando o fruto. Se amo porque me amam, é uma obrigação, faço o que devo. Se amo para que me amem, é uma negociação, procuro o que desejo. Quem ama porque o amam é agradecido. Quem ama para que o amem é interesseiro. Mas quem ama porque ama e para amar, sem outro porque nem para que, este ama verdadeiramente.

 

     Certamente Deus não espera que alcancemos tamanha perfeição no amor, mas convida-nos a procurá-la. Procurando-a sem visar resultados, muitos encontraram os melhores resultados, muito mais do que esperavam e almejavam. Esta é a utopia do amor, o dar tudo sem nada querer, para tudo possuir.

     Alguns sinais desta perfeição brilharam em meio às nuvens escuras do coronavirus. Mas não sem antes confrontar-se com as contradições humanas.

    A primeira comunidade onde se faz  o aprendizado do amor foi decerto a mais afetada pelos acontecimentos fora da sua esfera.

     Quanto tempo há de durar o impacto psicológico naquela criança que se deparou com o pai, à porta do elevador, e o viu recuar ostensivamente, e fugir do abraço carinhoso a que estavam acostumados? Quem o viu na cena estampada nas redes sociais, nem tão cedo esquecerá a perplexidade daquele olhar infantil.

      Outras questões foram se levantando e desafiando psicólogos e pedagogos. A convivência contínua, ininterrupta sob o mesmo teto familiar é humanamente suportável?  E é bemfazeja para lidar com crianças e adolescentes?  E mais: como definir a própria natureza do lar, ele é o único abrigo seguro onde os familiares devem permanecer o máximo de tempo, ou é, na verdade, o lugar para onde eles retornam com segurança, depois do aprendizado nas diversas esferas públicas, igualmente indispensáveis?

     Sobre estes assuntos, que se debrucem pedagogos e psicólogos. O certo é que as grandes crises fazem aflorar os paradoxos da natureza humana, expõem o que nela há de melhor e de pior. No entanto, o instinto de sobrevivência e o anseio de felicidade prevalecem. A humanidade venceu todas as pandemias da História. E está vencendo mais uma. Temos, pois, motivo de cantar o salmo 8, "Senhor, a tua presença irrompe por toda terra..."  e continuar batalhando contra o virus da pandemia moral, infinitamente mais letal do que o covid e que se infiltra no corpo sócio-político-econômico desta pátria amada Brasil.

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor

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