Por MARCELO BARROS
O Brasil é um país
pluriétnico e de grande diversidade cultural. Conforme o censo 0oIBGE, o censo
de 2010, o numero de brasileiros que se definem como negros, mulatos ou
pardos superou a população que se
considera branca. Entretanto, quando se fala em educação, em geral, no Brasil,
ela ainda é pensada a partir dos parâmetros europeus e não considera as
culturas afrodescendentes e indígenas como fonte que possa enriquecer a
educação e trazer sabedoria de vida para todos. Até hoje, a maioria dos livros
de história do mundo tem como olhar e perspectiva a cultura e interesse dos
colonizadores. Durante séculos, nas escolas
do Brasil, se ensinava à juventude os nomes de cidades, rios e acidentes
geográficos da Europa, mas nao havia o menor interesse em fazer os jovens
conhecerem algo da África e mesmo da
América Latina. Até pouco tempo, qualquer estudante de ensino médio sabia onde
fica Paris e Londres, mas podia não saber onde se situa Abidjan que é muito
mais próxima tanto geograficamente, como culturalmente do nordeste brasileiro.
Menos ainda conheciam Kinshasa na República Democrática do Congo e Cotonou no
atual Benin. Entretanto, dessas regiões e cidades vieram muitos de nossos
ancestrais ou avós dos avós de nossos vizinhos, amigos e parentes. Sem falar no
conhecimento dos países irmãos da América Latina.
Neste ano, estamos
celebrando o aniversário de dez anos em que o presidente da República
oficializou a lei 10.639 de janeiro de 2003. Ela trata da inclusão do estudo da
história da África e da cultura afro-brasileira no currículo escolar. A lei
11.645 de março de 2008 inclui o estudo das culturas indígenas e assim veio
completar esse processo. Assim, agora temos uma legislação que nos chama a
corrigir uma inversão educacional comum em nossa formação. Não podemos
continuar a tratar como próximas culturas que sempre se colocaram distantes e
se comportaram até agora como diametralmente opostas a nossas, enquanto vemos
como estranhos povos e culturas com os quais dividimos experiências de uma
história comum e de grande afinidade cultural e humana. Nossos filhos e netos
merecem que transformemos isso.
Por outro lado, sabemos
que não é a lei que pode mudar a realidade. É preciso uma transformação
cultural mais profunda. Apesar dessas leis e da criação de vários centros de
estudos africanos e indígenas em todo o Brasil, a educação escolar ainda não
absorveu essa proposta pedagógica. Em artigo recente o Laboratório de Análises
Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) mostra
que menos da metade das escolas públicas de todo o país aplicam verdadeiramente
a lei. Esse número é ainda menor nas escolas particulares. A pesquisa revelou
também que o preconceito contra as religiões de matriz africana é o principal
entrave para a abordagem de temas ligados à cultura afro-brasileira. Em todo o
Brasil o preconceito se soma ao desconhecimento e impede até mesmo a simples discussão
e aprofundamento do assunto.
Valorizar as culturas
afrodescendentes e indigenas é uma divida moral com comunidades e grupos que
sempre foram marginalizados e culturas que, por muito tempo, foram consideradas
inferiores e até condenadas como primitivas ou selvagens. No caso das Igrejas,
é bom recordar uma palavra de Tertuliano, cristao do século III: “Para quem é
cristao, nada do que é humano pode ser estranho”. Muitos crentes associam os
cultos afrodescendentes à condenaçao da Biblia aos antigos deuses das religioes
cananeia, egipicia e babilonica. Nao é uma associaçao justa. A Biblia rejeitou
deuses estrangeiros, cujos cultos serviam de legitimaçao para imperios
opressores, enquanto aceitou e
incorporou ao culto javista cultos a divindades locais como o Deus da montanha
(El Shaddai), o Deus dos exércitos (El Shabbaot), o Deus da aliança (El Berith)
e outros. Jesus apontou a incompatibilidade entre Deus e o dinheiro tido como
deus, mas aos discipulos que rejeitavam os samaritanos considerados pelos
judeus rigidos como sendo hereges ou idolatras, Jesus afirmou amargamente:
“Voces nao sabem que espirito sao animados!” (Lc 9, 56). Quem discrimina
pessoas e grupos, principalmente por sua forma de crer e adorar a Deus, nao
conhece o espirito de Jesus.
Marcelo Barros, monge beneditino,
escritor e peregrino de Deus
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