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quarta-feira, 29 de maio de 2013

Educar a partir das culturas



Por MARCELO BARROS

     O Brasil é um país pluriétnico e de grande diversidade cultural. Conforme o censo 0oIBGE, o censo de 2010, o numero de brasileiros que se definem como negros, mulatos ou pardos  superou a população que se considera branca. Entretanto, quando se fala em educação, em geral, no Brasil, ela ainda é pensada a partir dos parâmetros europeus e não considera as culturas afrodescendentes e indígenas como fonte que possa enriquecer a educação e trazer sabedoria de vida para todos. Até hoje, a maioria dos livros de história do mundo tem como olhar e perspectiva a cultura e interesse dos colonizadores. Durante séculos,  nas escolas do Brasil, se ensinava à juventude os nomes de cidades, rios e acidentes geográficos da Europa, mas nao havia o menor interesse em fazer os jovens conhecerem algo  da África e mesmo da América Latina. Até pouco tempo, qualquer estudante de ensino médio sabia onde fica Paris e Londres, mas podia não saber onde se situa Abidjan que é muito mais próxima tanto geograficamente, como culturalmente do nordeste brasileiro. Menos ainda conheciam Kinshasa na República Democrática do Congo e Cotonou no atual Benin. Entretanto, dessas regiões e cidades vieram muitos de nossos ancestrais ou avós dos avós de nossos vizinhos, amigos e parentes. Sem falar no conhecimento dos países irmãos da América Latina. 

     Neste ano, estamos celebrando o aniversário de dez anos em que o presidente da República oficializou a lei 10.639 de janeiro de 2003. Ela trata da inclusão do estudo da história da África e da cultura afro-brasileira no currículo escolar. A lei 11.645 de março de 2008 inclui o estudo das culturas indígenas e assim veio completar esse processo. Assim, agora temos uma legislação que nos chama a corrigir uma inversão educacional comum em nossa formação. Não podemos continuar a tratar como próximas culturas que sempre se colocaram distantes e se comportaram até agora como diametralmente opostas a nossas, enquanto vemos como estranhos povos e culturas com os quais dividimos experiências de uma história comum e de grande afinidade cultural e humana. Nossos filhos e netos merecem que transformemos isso.  

     Por outro lado, sabemos que não é a lei que pode mudar a realidade. É preciso uma transformação cultural mais profunda. Apesar dessas leis e da criação de vários centros de estudos africanos e indígenas em todo o Brasil, a educação escolar ainda não absorveu essa proposta pedagógica. Em artigo recente o Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) mostra que menos da metade das escolas públicas de todo o país aplicam verdadeiramente a lei. Esse número é ainda menor nas escolas particulares. A pesquisa revelou também que o preconceito contra as religiões de matriz africana é o principal entrave para a abordagem de temas ligados à cultura afro-brasileira. Em todo o Brasil o preconceito se soma ao desconhecimento e impede até mesmo a simples discussão e aprofundamento do assunto. 

     Valorizar as culturas afrodescendentes e indigenas é uma divida moral com comunidades e grupos que sempre foram marginalizados e culturas que, por muito tempo, foram consideradas inferiores e até condenadas como primitivas ou selvagens. No caso das Igrejas, é bom recordar uma palavra de Tertuliano, cristao do século III: “Para quem é cristao, nada do que é humano pode ser estranho”. Muitos crentes associam os cultos afrodescendentes à condenaçao da Biblia aos antigos deuses das religioes cananeia, egipicia e babilonica. Nao é uma associaçao justa. A Biblia rejeitou deuses estrangeiros, cujos cultos serviam de legitimaçao para imperios opressores, enquanto  aceitou e incorporou ao culto javista cultos a divindades locais como o Deus da montanha (El Shaddai), o Deus dos exércitos (El Shabbaot), o Deus da aliança (El Berith) e outros. Jesus apontou a incompatibilidade entre Deus e o dinheiro tido como deus, mas aos discipulos que rejeitavam os samaritanos considerados pelos judeus rigidos como sendo hereges ou idolatras, Jesus afirmou amargamente: “Voces nao sabem que espirito sao animados!” (Lc 9, 56). Quem discrimina pessoas e grupos, principalmente por sua forma de crer e adorar a Deus, nao conhece o espirito de Jesus.

   Marcelo Barros, monge beneditino, escritor e peregrino de Deus

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