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quinta-feira, 2 de maio de 2013

Maioridade penal e Estado Omisso

Por FREI BETTO

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), não consegue reduzir o  índice de violência no estado. Prefere então, como a raposa na fábula de La  Fontaine, dizer que as uvas estão verdes... Já que a polícia se mostra  incompetente para diminuir a criminalidade, reduzamos a idade penal dos  criminosos, propõe ele.

       O número  de homicídios na cidade de São Paulo cresceu 34% em 2012. Por cada 100 mil  habitantes, a taxa de assassinatos foi de 12,02. Em supostos confrontos com a  Polícia Militar, foram mortas 547 pessoas. Os casos de estupro subiram 24%;  roubo de veículos, 10%; e latrocínio, 8%. Assalto a banco teve  queda de  12%. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública, divulgados a 25 de  janeiro.

         O DataFolha  fez pesquisa de opinião na capital paulista e constatou que 93% dos  paulistanos querem a redução da maioridade penal, 6% são contra e 1% não soube  opinar. Vale ressaltar que 42% afirmaram que para reduzir a criminalidade é preciso criar políticas públicas para  jovens.

         “O problema do  menor é o maior”, já advertia o filósofo Carlito Maia. Se jovens com menos de  18 anos roubam e matam é porque, como constatam as investigações policiais,  são manipulados por adultos que conhecem bem a diferença entre prisão de quem  tem mais de 18 e de quem tem menos.

         Pesquisa da  Secretaria Nacional de Direitos Humanos verificou que, entre 53 países, 42  adotam a maioridade penal acima de 18 anos. Porém, suponhamos que seja  aprovada a redução da maioridade penal para 16 anos. Os bandidos adultos  passarão a induzir ao crime jovens de 15 e 14 anos. Aliás, em alguns estados  dos EUA jovens de 12 anos respondem criminalmente perante a lei.

       Sou contra a  redução da maioridade penal por entender que não irá resolver nem diminuir a  escalada da violência. A responsabilidade é do poder público, que sempre  investe nos efeitos e não nas causas. Deveria haver uma legislação capaz de  punir o descaso das autoridades quando se trata de inclusão de crianças e  jovens.

         Hoje, 19,2  milhões de brasileiros (10% de nossa população) não têm qualquer escolaridade  ou frequentaram a escola menos de um ano.
         Não sabem ler nem  escrever 12,9 milhões de brasileiros com mais de 7 anos de idade. E 20,4% da  população acima de 15 anos são  analfabetos funcionais – assinam o nome,  mas são incapazes de redigir uma carta ou interpretar um texto. Na população  entre 15 e 64 anos, em cada 3 brasileiros, apenas 1 consegue interpretar um  texto e fazer operações aritméticas  elementares.

         Em 2011,  22,6% das crianças de 4 a 5 anos estavam fora da escola. E, abaixo dessas  idades, 1,3 milhão não encontravam vagas em  creches.
         Este o dado  mais alarmante: há 27,3 milhões de jovens brasileiros entre 18 e 25 anos de  idade. Desse contingente, 5,3 se encontram fora da escola e sem trabalho. Mas  não fora do desejo de consumo, como calçar tênis de grife, portar um cellular  iPhone5, frequentar baladas, vestir-se segundo a moda  etc.
        De que vivem esses 5,3  milhões de jovens do segmento do “nem nem” (nem escola, nem emprego)? Muitos,  do crime. Crime maior, entretanto, é o Estado não assegurar a todos os  brasileiros educação de qualidade, em tempo integral.
         Se aprovada a redução  da maioridade penal, haverá que multiplicar os investimentos em construção e  manutenção de cadeias. Hoje, o Brasil abriga a quarta maior população  carcerária do mundo, 500 mil presos. Atrás dos EUA (2,2 milhões); China (1,6  milhão); e Rússia (740 mil).
       Segundo o Departamento  Penitenciário Nacional, o deficit é de 198 mil vagas, ou seja, muitos detentos  não dispõem dos seis metros quadrados de espaço previstos por lei. Muitos  contam com apenas 70 centímetros quadrados.
         Segundo o ministro da  Justiça, José Eduardo Cardozo, “é preferível morrer do que ficar preso no  Brasil”. Isso significa que o nosso sistema carcerário é meramente punitivo,  sem nenhuma metodologia corretiva que vise à reinserção  social.
         A Lei 12.433,  de 29 de junho de 2011, estabelece a remissão de um dia de pena a cada 12h de  frequência escolar, e 3 dias de trabalho reduzem 1 dia no cumprimento da pena.  Quais, entretanto, as cadeias com escolas de qualidade, profissionalizantes,  capazes de resgatar um marginal à  cidadania?
         Na verdade,  como analisou Michel Foucault, nossas elites políticas pouco interesse têm em  reeducar os presos. Prefere mantê-los como mortos-vivos e tratá-los como  dejetos humanos.     

         Mas o que  esperar de um país onde um ex-governador do mais rico estado da Federação,  Luiz Antonio Fleury Filho, justifica o massacre de 111 presos no Carandiru, em  1992, como uma ação “legítima e necessária”?
 Frei Betto é  escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar  brasileira” (Rocco), entre outros  livros.

  http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.


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