Por Marcelo Barros
Ao celebrar nesse domingo, 08 de março, mais um dia internacional da
mulher, a ONU propôs que nos perguntássemos em que essa comemoração contribuiu
para que os direitos da mulher sejam reconhecidos. Afinal, entre os oito objetivos
que, no ano 2000, a ONU fixava como metas do milênio para serem alcançados até
o início de 2015, o terceiro era justamente: “promover a igualdade entre os
sexos e a autonomia da mulher”. Ora, a
realidade do mundo atual mostra que, sobre isso, ainda temos um longo caminho a
percorrer. Os dados da ONU revelam: dos 3 bilhões de pessoas que vivem em
situação de riscos causados pela pobreza e ameaça de fome, 70% são mulheres. Em
todo o mundo, dois terços das pessoas analfabetas, são mulheres. Na maioria dos
países, mesmo trabalhando em empregos iguais aos homens, as mulheres, por serem
mulheres, recebem salários menores. E não está publicada a quantidade de
mulheres e meninas escravizadas e vítimas do tráfico e da prostituição.
Cada vez mais descobrimos que a luta pela igualdade da mulher é um
problema sociológico que envolve questões culturais e históricos. Em um mundo
dominado por homens, é também um problema político. Para quem tem fé, é
sobretudo um desafio espiritual e teológico, porque, nessa questão, a maioria
das religiões não exerceu um papel claramente positivo e profético. Somente nas
religiões de matriz africana, as mulheres sempre tiveram um papel importante.
Vários templos do Candomblé são coordenados por Yalorixás ou mães de santo,
reconhecidas por suas comunidades como sacerdotisas.
Em nossa história recente, o feminismo foi a maior revolução pacífica ocorrida
em quase todo o mundo. Ele torna as mulheres protagonistas de sua história e da
libertação da terra e da humanidade. Transforma a democracia e os direitos
humanos individuais e coletivos. O feminismo surgiu na sociedade civil, mas
acabou contagiando também as comunidades religiosas das principais tradições
espirituais.
Ao insistir que todas as pessoas são filhas de Deus, o Cristianismo
diminuiu o sofrimento de mulheres que,
em algumas culturas no mundo antigo, nem eram consideradas pessoas humanas
plenas ou completas. No entanto, no decorrer da história, as Igrejas foram
cúmplices e, muitas vezes, legitimaram a discriminação da mulher, assim como
conviveram e até exploraram a escravidão, o racismo eo colonialismo. Até certos
textos bíblicos, lidos de forma literal e sem contextualização, acabam servindo
para legitimar a discriminação.
Ainda bem que, atualmente, no Ocidente, muitas Igrejas evangélicas e
pentecostais, mesmo algumas que fazem leitura ao pé da letra dos textos
bíblicos, aceitaram abrir os ministérios ordenados para mulheres. No Vaticano, o
papa Francisco escandaliza a muitos eclesiásticos ao mostrar-se disposto a
discutir alguns assuntos até agora considerados tabus nos ambientes eclesiásticos.
Entre esses temas delicados, se colocam a discussão sobre a obrigatoriedade do
celibato para os padres de tradição latina e a possibilidade de abrir os
ministérios ordenados para mulheres. Desde várias décadas, a teologia feminista
parte das experiências de sofrimento, lutas e resistência das mulheres contra o
patriarcado. Reescreve a história das religiões e da espiritualidade a partir
da perspectiva de gênero, dando voz e protagonismo às mulheres. Criou o
eco-feminismo que liga à luta pela libertação da mulher à opressão que tem
sofrido a terra e a natureza. A teologia feminista da libertação tem dado uma
contribuição imensa à caminhada das Igrejas no meio do povo, ao revelar que a
luta pela libertação tem de passar pela superação do patriarcalismo para
suscitar uma verdadeira justiça na relação entre homens e mulheres. Sem dúvida,
uma importante inspiração para tudo isso tem sido a pessoa e o modo de agir de
Jesus Cristo. Ele reuniu em torno de si discípulos e discípulas e propôs a
todos aquilo que Paulo formulou em uma de suas cartas: “Judeus e gregos, homens
e mulheres, escravos e pessoas livres, todos somos iguais e unidos em Cristo”
(Gl 3, 28).
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países
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