Por Marcelo Barros
A versão de alguns meios de comunicação social e de
muitos políticos, empenhados em evitar
qualquer transformação libertadora para o povo é que o maior desastre que,
atualmente, acontece na América Latina é o Bolivarianismo. Até um ministro do
STF afirmou que o risco para o Brasil seria cair no Bolivarianismo. Outro dia,
em uma reunião de comunidade eclesial de base, senhoras da periferia se perguntavam:
“Que diabo é essa história de Bolivarianismo e por que é tão perigoso?”
Quem, pela primeira vez, me falou de Bolivarianismo foi
o arcebispo Dom Helder Camara. Em 1965, em uma carta circular, ele escreveu a
seus colaboradores: “Monsenhor Dell´Acqua, secretário do papa (Paulo VI), me
recebeu carinhosamente. A problemática da América Latina lhe era familiar.
(...) Entende e estimula o novo Bolivarianismo,
no sentido do esforço conjunto para a independência econômica do
Continente, em articulação sempre maior com o 3º Mundo e abertura para o mundo
inteiro”. (68a Circular, Roma 17/ 11/ 1965). Mais tarde, em outras
duas cartas, Dom Helder retoma o assunto. Explica que o Bolivarianismo recebeu esse
nome da figura de Simon Bolívar, o Libertador, que, no início do século XIX, a
partir da Venezuela, conseguiu com seu exército, libertar do império espanhol, quase
toda a América Latina.
Na memória e na consciência do povo venezuelano, o Bolivarianismo
sempre se manteve vivo, mas foi retomado de modo renovado, no começo dos anos
70, em ambientes populares e no meio de jovens militares nacionalistas, em
busca de mais justiça social e de um país verdadeiramente independente. A
Venezuela vivia uma imensa desigualdade social. Uma pequena elite era dona de
todo o país e gozava seus lucros em Miami e Paris. Do estrangeiro, dominavam a
imprensa, a companhia de petróleo e todas as riquezas do país. E as Forças
Armadas eram usadas como apoio para garantir os privilégios dos mais ricos e
como caminho de riqueza e corrupção para oficiais, além de sustentar governos
corruptos. Por perceber isso, oficiais da Academia Militar de Caracas começaram
a dar aos jovens militares uma formação humanista e crítica a esse sistema. E
ali, em 1971, aos 17 anos, entrou Hugo Chávez. Ele vinha de Barinas, interior
do país. Era um jovem forte e inteligente. Nesse ambiente que suscitava o
diálogo entre militares e intelectuais civis, em pouco tempo, Hugo Chávez
passou a conhecer bem a história da Venezuela e da América Latina. Incorporou,
em seu coração e para toda a vida, os ideais de Simon Bolívar e de outros
homens e mulheres que lutaram pela igualdade social e pela libertação do povo. A
partir daí, ele e vários companheiros, criaram nas periferias de Caracas “círculos
bolivarianos”. Eram grupos de discussão, parecidos com os “círculos de
cultura”, propostos por Paulo Freire em sua metodologia de alfabetização.
Espalharam-se por toda Venezuela e, pouco a pouco, se uniram a movimentos
populares, camponeses e indígenas que queriam mudar o país. Muitos desses
grupos eram comunidades cristãs, animadas por pessoas ligados à Teologia da
Libertação[1]. Em
1991, Chávez e seus companheiros tentam tomar o poder e são presos. Quando saem
da prisão, vão diretamente para os bairros populares e continuam o trabalho de
conscientização e preparação das mudanças. Com o aumento da consciência social e
da educação das bases, Hugo Chávez e seus companheiros vencem as eleições
democráticas de 1999. Propõem para o país o Bolivarianismo, baseado em três
caminhos:
1o – libertar a Venezuela e toda a América Latina do imperialismo.
2o – integrar o continente latino-americano em uma comunidade de países
independentes, mas unidos.
3o – caminhar na direção de uma maior igualdade
social e um socialismo democrático, a partir das raízes indígenas. A maioria
dos venezuelanos acatou a proposta.
Em menos de dez anos, o povo votou uma nova
Constituição Bolivariana. E na América Latina, Chávez suscitou organismos de
integração que hoje fazem do nosso continente o único no qual, a partir do ano
2000, a pobreza não aumentou. Segundo a ONU, a Venezuela foi o país
latino-americano que mais conseguiu diminuir as desigualdades sociais. No dia
06 de março, os latino-americanos que buscam uma justiça nova para todos,
recordam os dois anos do falecimento do presidente Chávez. O povo da Venezuela
garante a continuidade do projeto ao qual ele consagrou a vida. E quanto mais a
história olhar à distância, mais o colocará como um dos maiores homens do nosso
tempo.
[1]
- Esses dados são tirados do livro do jornalista norte-americano BART JONES, Hugo Chávez, da origem simples ao ideário
da revolução permanente, São Paulo, Novo Conceito, 2008, p. 97.
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países
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