por Maria Clara Lucchetti Bingemer, professora do Departamento de
Teologia da PUC-Rio
Um dos pontos que o Papa Francisco mais
tem realçado é seu desejo de que a Igreja viva em permanente êxodo. Que
seja uma Igreja em saída. Assim, o Pontífice chama todos os batizados a
uma conversão missionária.
O mandato missionário recebido de Jesus
Cristo (cf. Mt 28,19-20) pede uma Igreja em saída para testemunhar a alegria do
Evangelho, da vida em Jesus Cristo. Diz o Papa: “Não quero uma Igreja
preocupada com ser o centro”; e ainda: “Mais do que temor de falhar, espero que
nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa
proteção”
Nesse sentido, o Papa exorta os
cristãos a não ter medo de entrar na trama desigual e, por vezes, sufocante do
tecido da realidade social e ali agir em meio à polis, engajando-se
concretamente na política. Em suas palavras: “Devemos implicar-nos na
política, porque a política é uma das formas mais elevadas da caridade, visto
que procura o bem comum.”
Inspirada pelas palavras do Papa, a
CNBB lançou a Campanha da Fraternidade deste ano, que já vai avançada, tal como
o tempo da Quaresma, que vive suas últimas semanas. O tema da
solidariedade e do serviço encontra-se no centro dessa mobilização nacional que
procura voltar os olhos dos fiéis a uma ideia-chave que os motive a uma real
conversão de vida no seguimento de Jesus Cristo e na vivência do Evangelho. O
serviço realizado na transformação da realidade na direção de mais justiça e
equidade está no centro dessa conversão que, neste momento, a Igreja pede a
todos e todas.
Ao fundo dessa exortação está o antigo
e sempre vivo binômio já tão presente na Escritura: fé e
justiça. Esse binômio percorre toda a palavra de Deus presente nos textos
sagrados, convidando incessantemente o povo a não se deixar seduzir pelos
ídolos, nem tampouco ceder à tentação de tomar atitudes injustas que oprimem o
outro, sobretudo os mais desprotegidos: o pobre, o órfão, a viúva, o
estrangeiro. Toda fé em Deus que não se apoie em uma radical prática da
justiça, segundo a Bíblia, é falsa e idolátrica.
A Doutrina Social da Igreja e o
magistério eclesial na América Latina têm enfatizado essa prioridade muito
concretamente nos últimos cinquenta anos. Assim, o documento de Aparecida, ao
dirigir-se aos cristãos leigos convidando-os a serem discípulos e missionários,
não os convoca apenas nem sobretudo para atividades intra-eclesiais, mas ao
contrário, explicita claramente o desejo de vê-los comprometidos na ordem
temporal. Destacando o papel que a Doutrina Social da Igreja tem desempenhado
na formação dos leigos do continente para animar-lhes o testemunho e a ação
solidária, Aparecida diz que os leigos do continente “se interessam cada vez
mais por sua formação teológica como verdadeiros missionários da caridade, e se
esforçam por transformar de maneira efetiva o mundo segundo Cristo.”
Registra-se portanto um duplo polo
positivo da atuação dos leigos na história e no crescimento de sua Igreja: um,
relativo à sua inserção intereclesial (“se interessam cada vez mais por sua
formação teológica”); o outro diz respeito à sua atuação transformadora no
mundo (“se esforçam por transformar de maneira efetiva o mundo, segundo
Cristo”). Eclesialidade e cidadania serão, portanto, um binômio constitutivo da
identidade, vocação e missão de todo cristão.
Embora muito seja dito sobre o papel
dos cristãos dentro da estrutura eclesial (sua eclesialidade), há uma
preocupação explícita em reforçar inequivocamente a índole secular da vocação
laical (sua cidadania). Cremos mesmo poder dizer que esta segunda tendência é a
que vai predominar de forma explícita nestes cinquenta anos posteriores ao
Concílio Vaticano II. A partir deste evento de tanta importância no século XX,
os cristãos serão convocados explicitamente a formar-se para interferir
efetivamente na vida pública, mais concretamente na formação dos consensos
necessários e na oposição contra a injustiça.
Esse é o caminho que segue o texto base
da Campanha da Fraternidade deste ano de 2015. Ao escolher como lema a
frase de Jesus de Nazaré, “Eu vim para servir”, utilizando ao mesmo tempo uma
imagem do Papa Francisco durante a cerimônia da Semana Santa chamada lava-pés,
a Igreja do Brasil põe-se a caminho de Jerusalém, a fim de celebrar a Páscoa de
olhos e ouvidos bem abertos para a realidade que a circunda.
E essa realidade é marcada pela
injustiça, pela opressão, pela violência e pelos conflitos. E, por isso
mesmo, chama à solidariedade e ao serviço gratuito, humilde e
desinteressado. As expressões usadas pelo Papa ao dirigir-se aos
católicos, instigando-os a terem “cheiro de ovelha”, a “promoverem agitação”, a
transformarem a Igreja em um “hospital de campanha” dão bem a nota deste
movimento que ele espera de uma Igreja que seria suicida se permanecesse imóvel
enquanto a realidade grita ao seu redor.
Se Jesus, com seu Evangelho, deslocou o
eixo central da religião do templo para o ser humano, a Igreja não pode fazer
diferente. Seu lugar é em meio ao mundo, à sociedade, dialogando e interagindo
com os problemas que afligem as pessoas que uma comum filiação ao mesmo Pai fez
irmãos.
Fraternidade entre a Igreja e a
Sociedade é, portanto, o caminho da conversão para esta Quaresma. A
alienação é incompatível com a fé e com o seguimento de Jesus. Só a
solidariedade e o serviço são salvadores, no sentido de que nos fazem cada vez
mais humanos e, portanto, cada vez mais de acordo ao coração de Deus.
A teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha
da paixão e da compaixão"(Edusc)
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