Por Maria Clara Bingemer,
professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio
Nestes 450 anos, muito já tem
sido dito sobre esta que é conhecida como Cidade Maravilhosa, Belacap e outros
nomes. Todos apontam para sua beleza sem par. Os amigos, os inimigos, os
cidadãos e os estrangeiros, todos e todas são unânimes em declarar o Rio como
Cidade Maravilhosa.
Tanto se tem dito sobre ele – ou
ela? – pois feminina é a cidade com suas curvas que se sucedem nas baías,
praias, montanhas que formam sua paisagem. Cidade mulher cheia de voltas
redondas, de abaulamentos, protuberâncias, enfim tudo que torna o corpo da mulher
algo digno de ser cantado em prosa e verso.
Nada aqui é pontiagudo,
poliédrico, reto ou incisivo. Tudo é flexibilidade, potencialidade
aberta, movimento e balanço. Tudo é graça graciosa oferecida aos olhos e
aos outros sentidos. É como a beleza da mulher que passa e da qual não se sabe
o nome. Não à toa uma das canções que mais identificam o Rio é Garota de
Ipanema.
E assim como o poeta e diplomata
Vinicius de Moraes declarava seu amor à Pátria, chamando-a pelo diminutivo –
patriazinha que não tinha nada a ver com a Mãe Gentil – assim o Rio é uma
cidade garota. E garota aqui quer dizer não apenas bela, mas serelepe,
marota, moleca, surpreendente e inesperada.
Inesperados são o susto e o
impacto que atingem em pleno rosto a beleza da Lagoa quando se sai da escuridão
feia e úmida do Túnel Rebouças. Existe recompensa mais surpreendente do que
essa, equivalente ao sair da caverna platônica e aterrissar na luz do
conhecimento, ou sair das trevas do cativeiro e embriagar-se da luz da
liberdade? Assim é o Rio, essa jovem mulher de 450 anos.
Surpreendendo a cada curva, a cada passo, em cada ladeira, em cada esquina.
Oferecendo um enorme espelho d´água, que brilha ao sol e no qual se espia,
faceiro, o céu azul. Trazendo em cada metro quadrado a beleza estonteante
que jamais poderia permanecer presa em gaiolas de concreto; que necessita
expandir-se e derramar-se para encantar e inspirar o canto.
E inspirações têm havido e
há. Muitas, tantas e inumeráveis. Jamais cidade alguma foi mais
cantada e decantada e recantada e narrada e recontada. Aqui Olavo Bilac ouviu
estrelas, Menescal e Bôscoli viram o barquinho deslizar no macio azul do mar,
Tom Jobim e Vinicius viram e sentiram o balanço da garota dourada do sol de
Ipanema a caminho do mar. Aqui Clarice tomou um ônibus em Copacabana e
mergulhou no mar para encontrar o amor. E Chico Buarque cantou a Lapa, o
trem da Central onde o malandro nem tanto assim vai trabalhar. E na
passagem vê as casas da gente humilde, que acalenta o coração e molha o rosto
de lágrimas.
Presidindo toda essa beleza e
esse encanto, o Redentor: braços abertos, velando pela cidade, a estátua
maravilha é como uma proteção extra, uma guardiã da beleza criada, da beleza
mulher que a cidade exibe sem pejo nem vergonha. Muita proteção é necessária,
porque assim como as mulheres bonitas, o Rio é igualmente vítima de muita,
infinita inveja.
Repararam como todos fazem
plantão observando, por exemplo, Gisele Bündchen para ver se conseguem detectar
a primeira celulite, a primeira ruga, o primeiro traço de velhice que venha
perturbar aquela perfeita beleza? Pois assim é com o Rio. Muita
vigilância, muito olho gordo, muita inveja para ver se conseguem vê-la
decair. E, apesar de todos os problemas, de todas as inegáveis feridas e
cicatrizes, das irrefutáveis imperfeições, a beleza da cidade reina soberana,
impávida, irrepreensível como um diamante lapidado, que jamais perde sua pureza
e seu brilho.
Como poderia algo feito pelo
Criador, saído das mãos de Nosso Senhor, conhecer caducidade e ser vencido por
feiura? Jamais isso acontecerá com o Rio. Podem deixar suas
atalaias e procurar outro ponto de observação. A verdadeira beleza não
sucumbe nem passa. Ao contrário, permanece cumprindo sua função que é
apenas essa: encantar, embelezar, inebriar olhos e corações.
O grande escritor francês Georges
Bernanos já dizia, e com muita razão. “Feita pela mão dos homens, a
cidade mais bonita do mundo é Paris. Mas feita pela mão de Deus, sem
dúvida é o Rio de Janeiro.” Neste aniversário de 450 anos, a capital da beleza
e do amor celebra essa ligação direta com o Criador. E reconhece sua
origem divina, que afirma tudo aquilo que possui em tanta abundância ser pura
graça. Não poderia mesmo ser fabricada por mãos humanas e pensada pela
indústria humana essa rara combinação de verdes, azuis, amarelos e brancos; de
areias e matas, e praias e montanhas; de vermelhos solares e prateados luares;
de pores do sol aplaudidos e auroras saudadas com alegria e cantos.
Como dizia ainda o poeta
Vinicius, “as muito feias que me perdoem, mas um pouco de beleza é
fundamental.” Aqui não se trata de um pouco, mas de muita. Muita,
estrondosamente muita, excessiva, esparramada beleza, que dá testemunho da
Beleza Infinita do Criador.
Quem ganha presente em seu
aniversário somos nós, cidade querida e amada. Que maior presente há que
viver em seu território e gozar permanentemente essa gratuita oferta de seu
privilegiado visual e surpreendente paisagem todos os dias e todas as horas?
Que Deus continue abençoando-a e
fazendo-a mais linda. Que sua beleza não nos deixe esquecer os que não podem
gozá-la plenamente porque sofrem injustiça e opressão. Mas por ser o que
é, não nos deixe esquecer a alegria que é, ao lado da beleza, sua marca
registrada. Feliz aniversário!
A teóloga é autora de “O
mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”
(Rocco).
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