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sexta-feira, 6 de março de 2015

RIO DE JANEIRO, CIDADE MULHER


Por Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio

                                                      

Nestes 450 anos, muito já tem sido dito sobre esta que é conhecida como Cidade Maravilhosa, Belacap e outros nomes. Todos apontam para sua beleza sem par.  Os amigos, os inimigos, os cidadãos e os estrangeiros, todos e todas são unânimes em declarar o Rio como Cidade Maravilhosa.

Tanto se tem dito sobre ele – ou ela? – pois feminina é a cidade com suas curvas que se sucedem nas baías, praias, montanhas que formam sua paisagem.  Cidade mulher cheia de voltas redondas, de abaulamentos, protuberâncias, enfim tudo que torna o corpo da mulher algo digno de ser cantado em prosa e verso.

Nada aqui é pontiagudo, poliédrico, reto ou incisivo.  Tudo é flexibilidade, potencialidade aberta, movimento e balanço.  Tudo é graça graciosa oferecida aos olhos e aos outros sentidos. É como a beleza da mulher que passa e da qual não se sabe o nome. Não à toa uma das canções que mais identificam o Rio é Garota de Ipanema.

E assim como o poeta e diplomata Vinicius de Moraes declarava seu amor à Pátria, chamando-a pelo diminutivo – patriazinha que não tinha nada a ver com a Mãe Gentil – assim o Rio é uma cidade garota.  E garota aqui quer dizer não apenas bela, mas serelepe, marota, moleca, surpreendente e inesperada.

Inesperados são o susto e o impacto que atingem em pleno rosto a beleza da Lagoa quando se sai da escuridão feia e úmida do Túnel Rebouças. Existe recompensa mais surpreendente do que essa, equivalente ao sair da caverna platônica e aterrissar na luz do conhecimento, ou sair das trevas do cativeiro e embriagar-se da luz da liberdade?  Assim é o Rio, essa jovem mulher de 450 anos.  Surpreendendo a cada curva, a cada passo, em cada ladeira, em cada esquina. Oferecendo um enorme espelho d´água, que brilha ao sol e no qual se espia, faceiro, o céu azul.  Trazendo em cada metro quadrado a beleza estonteante que jamais poderia permanecer presa em gaiolas de concreto; que necessita expandir-se e derramar-se para encantar e inspirar o canto.

E inspirações têm havido e há.  Muitas, tantas e inumeráveis.  Jamais cidade alguma foi mais cantada e decantada e recantada e narrada e recontada. Aqui Olavo Bilac ouviu estrelas, Menescal e Bôscoli viram o barquinho deslizar no macio azul do mar, Tom Jobim e Vinicius viram e sentiram o balanço da garota dourada do sol de Ipanema a caminho do mar.  Aqui Clarice tomou um ônibus em Copacabana e mergulhou no mar para encontrar o amor.  E Chico Buarque cantou a Lapa, o trem da Central onde o malandro nem tanto assim vai trabalhar.  E na passagem vê as casas da gente humilde, que acalenta o coração e molha o rosto de lágrimas.

Presidindo toda essa beleza e esse encanto, o Redentor: braços abertos, velando pela cidade, a estátua maravilha é como uma proteção extra, uma guardiã da beleza criada, da beleza mulher que a cidade exibe sem pejo nem vergonha.  Muita proteção é necessária, porque assim como as mulheres bonitas, o Rio é igualmente vítima de muita, infinita inveja.

Repararam como todos fazem plantão observando, por exemplo, Gisele Bündchen para ver se conseguem detectar a primeira celulite, a primeira ruga, o primeiro traço de velhice que venha perturbar aquela perfeita beleza?  Pois assim é com o Rio.  Muita vigilância, muito olho gordo, muita inveja para ver se conseguem vê-la decair.  E, apesar de todos os problemas, de todas as inegáveis feridas e cicatrizes, das irrefutáveis imperfeições, a beleza da cidade reina soberana, impávida, irrepreensível como um diamante lapidado, que jamais perde sua pureza e seu brilho.

Como poderia algo feito pelo Criador, saído das mãos de Nosso Senhor, conhecer caducidade e ser vencido por feiura?  Jamais isso acontecerá com o Rio.  Podem deixar suas atalaias e procurar outro ponto de observação.  A verdadeira beleza não sucumbe nem passa.  Ao contrário, permanece cumprindo sua função que é apenas essa: encantar, embelezar, inebriar olhos e corações.

O grande escritor francês Georges Bernanos já dizia, e com muita razão.  “Feita pela mão dos homens, a cidade mais bonita do mundo é Paris.  Mas feita pela mão de Deus, sem dúvida é o Rio de Janeiro.” Neste aniversário de 450 anos, a capital da beleza e do amor celebra essa ligação direta com o Criador.  E reconhece sua origem divina, que afirma tudo aquilo que possui em tanta abundância ser pura graça. Não poderia mesmo ser fabricada por mãos humanas e pensada pela indústria humana essa rara combinação de verdes, azuis, amarelos e brancos; de areias e matas, e praias e montanhas; de vermelhos solares e prateados luares; de pores do sol aplaudidos e auroras saudadas com alegria e cantos. 

Como dizia ainda o poeta Vinicius, “as muito feias que me perdoem, mas um pouco de beleza é fundamental.”  Aqui não se trata de um pouco, mas de muita.  Muita, estrondosamente muita, excessiva, esparramada beleza, que dá testemunho da Beleza Infinita do Criador.

Quem ganha presente em seu aniversário somos nós, cidade querida e amada. Que maior presente há que viver em seu território e gozar permanentemente essa gratuita oferta de seu privilegiado visual e surpreendente paisagem todos os dias e todas as horas?

Que Deus continue abençoando-a e fazendo-a mais linda. Que sua beleza não nos deixe esquecer os que não podem gozá-la plenamente porque sofrem injustiça e opressão.  Mas por ser o que é, não nos deixe esquecer a alegria que é, ao lado da beleza, sua marca registrada.  Feliz aniversário!

A teóloga é autora de “O  mistério e o mundo –  Paixão por  Deus em tempo de descrença” (Rocco).

  Copyright 2015 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: agape@puc-rio.br>


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