Por Frei Betto
A
28 de março comemoram-se 500 anos do nascimento da espanhola Teresa de Ahumada,
mais conhecida como Teresa de Jesus ou Teresa de Ávila, mística e doutora da
Igreja Católica.
Teresa salvou minha vocação religiosa. Eu não completaria neste ano cinco
décadas de pertença à Ordem Dominicana – que em 2016 celebrará 800 anos de
fundação – se não fossem os livros de Teresa: “Vida” (autobiografia), “Caminho
da perfeição”, “Castelo interior”, “Conceitos de amor”, “Exclamações”, e suas
cartas e poemas.
Em
1965, deixei a militância estudantil (no ano anterior havia sofrido minha
primeira prisão sob a ditadura, no Rio), a faculdade de jornalismo, e ingressei
no noviciado dominicano, em Minas.
Três meses depois, sofri profunda crise de fé. Decidi deixar o convento. Frei
Martinho Penido Burnier, meu diretor espiritual, sugeriu-me paciência.
Introduziu-me na leitura de Teresa. Foi uma paixão à primeira vista.
Em
sete meses de “noite escura”, ela operou em mim o que caracteriza sua mística:
deslocou Deus das abóbadas celestiais, dos conceitos catequéticos, para o
íntimo do coração. Na boca da alma, provei o sabor do Transcendente.
Bernini a esculpiu, flechada pelo anjo, em expressão de indescritível orgasmo,
na imagem exposta na igreja de Santa Maria della Vittoria, em Roma. Isto é
Teresa: Deus como caso de amor. Não o deus dos castigos eternos, das culpas
irremediáveis, do moralismo farisaico. Deus como paixão incontida. Tanto
ansiava por ele, que ousava repetir: “Morro por não morrer.”
Teresa foi uma feminista avant la lettre, numa época em que, na Europa,
mulheres eram relegadas ao analfabetismo e, as místicas, atiradas à fogueira da
Inquisição como bruxas. Leitora compulsiva, reformou a Ordem das carmelitas,
indignada com os conventos transformados em depósitos de mulheres cujos maridos
vinham explorar as riquezas do Novo Mundo.
Teresa rompe com o Carmelo convencional, e também com a mediação do clero entre
a pessoa e Deus. Peregrina incansável, funda comunidades de mulheres
vocacionadas à exclusividade do amor divino.
O
representante do papa na Espanha, indignado, a acusa de “mulher irrequieta e
andarilha, desobediente contumaz, que a título de devoção inventa má doutrina,
andando fora da clausura, contra a ordem do Concílio de Trento e dos bispos,
ensinando como mestra, à revelia do preceito de São Paulo de que as mulheres
não devem ensinar.”
Salvou-a da condenação como herética e maluca a intervenção de seus confessores
e teólogos, que se tornaram seus discípulos. Em 1970, o papa Paulo VI
concedeu-lhe o título de Doutora da Igreja.
Seu principal discípulo e cooperador não foi uma mulher, e sim um homem, João
da Cruz, patrono dos poetas espanhóis. A dupla reformou a vida carmelita e
introduziu entre os católicos o saudável exercício da meditação – embora esta
palavra não apareça em seus escritos e a Igreja Católica, ainda hoje, nutra
injustificável preconceito em relação à sua prática, o que arrefece, entre os
fiéis, a contemplação.
Com exceção de Francisco de Assis, nenhum outro santo atrai tanto a atenção de
artistas, intelectuais e psicoterapeutas quanto Teresa. Nela se realizou, em
plenitude, a promessa de Jesus: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e
o meu Pai o amará, e viremos a ele e nele faremos a nossa morada” (João 14,
23).
Teresa
transvivenciou aos 67 anos, em 1582. Suas obras completas, encontráveis em
qualquer livraria católica, nos ensinam a beber do próprio poço.
Frei Betto é escritor, autor de
“Fome de Deus” (Paralela), entre outros livros.
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