Por Eduardo Hoornaert
Não é tarde demais para voltar às
manifestações de domingo, 15 de março pp., que tomaram ruas e avenidas das
grandes cidades do Brasil. Poderíamos imaginar uma pesquisa de opinião com a
seguinte pergunta: ‘você foi à rua porque pensou que devia ir ou porque sentiu
vontade de ir?’. Penso que muitos teriam dificuldade de entender o sentido da
pergunta, o que confirma o seguinte: a grande maioria foi à rua, impulsionada
por sentimento, não por pensamento. Simplesmente acompanhou a multidão. Ainda
bem que Fernando Henrique Cardoso disse que não era o momento de pensar em impeachment de
Dilma, senão mais pessoas teriam gritado: ‘Fora Dilma!’. Nesse momento, o
ex-presidente fez jus à sua fama de intelectual, ou seja, de uma pessoa que
pensa.
Trago aqui outro indício
alarmante em torno dessa questão do pensamento. Sem alarde, a TV Globo divulgou
na semana passada os resultados de uma pesquisa acerca das instituições mais
respeitadas do Brasil. A imprensa (leia: os grandes meios de comunicação) saiu
em primeiro lugar, seguida pelas ‘redes sociais’. Em terceiro lugar veio a
igreja católica, seguida pelo exército. Suponho que a pesquisa tenha sido
tecnicamente bem feita e, nesse caso, o resultado é, mais uma vez, inquietante.
O público em geral não sabe nem quer saber como funcionam os grandes meios de
comunicação. Simplesmente liga a TV para assistir à novela ou ao Jornal do
Brasil.
Quanto às universidades, o quadro
não é menos desolador. Percebe-se uma falta de interesse em formar pessoas que
pensam, embora a escola exista para ensinar a pensar. Importante, hoje, é
formar técnicos e funcionários a ser ulteriormente engolidos por poderosos
sistemas burocráticos em troca de um salário. Muitos desses funcionários não se
dão ao trabalho de pensar de que modo funcionam as instituições que eles mesmos
sustentam com seu trabalho. Basta receber o dinheiro.
Concordo plenamente com a análise
feita por Leonardo Boff, quando afirma que há na sociedade um sentimento de
ódio irrefletido que, aparentemente, se dirige contra Lula, Dilma e o PT, mas
que na realidade expressa o desconforto de pessoas bem situadas que hoje se
encontram com pessoas que entram em aviões e shoppings de bermuda, dirigem seus
próprios carros e aparecem na cena política. Aqui também, pensar
serviria para superar esse sentimento, mas as pessoas não costumam pensar.
Concordo igualmente com Ivone
Gebara quando, por ocasião das matanças em Paris um mês atrás (Charlie Hebdo),
lembra o tema da ‘banalidade do mal’, trabalhado por Hannah Arendt em seu livro
‘Eichmann em Jerusalém’. Nesse livro, a autora mostra que o grande ‘carrasco
nazista’ não era um monstro, mas uma pessoa de bom trato, polido e educado,
enfim, uma pessoa comum. Ele simplesmente não pensava, agia como eficiente
executivo dentro de uma complicada engrenagem burocrática que tinha como
finalidade matar pessoas. Bastava não pensar para mandar milhões de pessoas
para o crematório por meio de expedientes burocráticos. Quando o ‘não pensar’
chega a tais dimensões, ficamos perplexos. Mas, o que fazer com nosso ‘não
pensar’ do dia-a-dia?
Como posso estimular hoje a minha
capacidade de pensar? Informações não me faltam, mas será que são confiáveis? A
notícia do dia que aparece no meu Smartphone é confiável? Por que não largar,
de vez em quando, esse Smartphone e ler um livro? Há pessoas em meu redor com
quem posso falar sem logo ouvir reações como: ‘você é PT, já sei o que você
pensa’? Essa reação significa que é melhor não pensar e seguir o que diz a
‘opinião pública’, ou seja, o que ‘todos dizem’. Enfim, um bom ponto
de partida consiste em reconhecer que eu também, vez por outra, falo sem
pensar.
Eduardo Hoornaert foi professor catedrático de História da Igreja. É membro fundador da Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina (CEHILA). Atualmente está estudando a formação do cristianismo nas suas origens, especificamente os dois primeiros séculos.
Fonte: http://www.eduardohoornaert.blogspot.com.br/
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