Por Marcelo
Barros
Nesses dias
(de 22 a 26 de junho), na cidade de Maricá, RJ, ocorreu o 1o Festival
Internacional da Utopia. Gente de todo o mundo se encontrou ali para partilhar
seus melhores sonhos e se fortalecer uns aos outros na esperança de um novo
caminho para a humanidade. O encontro foi rico em reflexões e debates. No
entanto, a marca principal foi o caráter de grande celebração da vida com muitas
representações musicais e artísticas. Para ensaiar novas formas de organizar a
sociedade e confirmar que "outro mundo é possível", esse encontro da
esperança militante não ocorreu como congresso acadêmico, nem como fórum de
reflexões e sim como festival lúdico e afetuoso. Assim, antecipou a festa
definitiva da vitória.
Nos anos
60, em plena ditadura militar, as pessoas cantavam: Quem sabe faz a hora. Não
espera acontecer". De fato, existe uma forma passiva e acomodada de
esperar, sinônimo de aguardar ou deixar para depois. Isso nada tem a ver com a
vigília esperançosa de quem prepara um novo dia de trabalho e de luta. Conforme
Ernest Bloch, a verdadeira esperança é uma determinação fundamental da pessoa
que dá uma orientação à vida e à realidade, no rumo de uma meta que é a utopia.
O termo
grego utopia significa "o não
caminho", ou o que está além do caminho. No século XVI, tornou-se título
do livro de Thomas Morus que falava de uma ilha, na qual o objetivo de cada um
de seus habitantes era fazer com que todos pudessem ser felizes. Parece que
Morus se inspirou na descrição que Américo Vespucci fez sobre a ilha de
Fernando de Noronha que ele tinha visitado. Parecia o paraíso terrestre reencontrado
no novo mundo descoberto por Colombo. A partir daí Morus imaginou a sociedade
perfeita, na qual não havia propriedade privada e todos tinham tudo em comum em
uma espécie de socialismo fraterno e pacífico. Até o século XX, considerava-se
utopia algo impossível e irreal. Quando
alguém queria acusar um filósofo de não ter compromisso com a realidade,
bastava classificá-lo como "socialista utópico". Ernest Bloch
resgatou a Utopia como algo positivo. Com ele, o termo passou a significar não
um ideal irrealizável e alienado, mas a meta de uma sociedade nova. Embora não
seja alcançada totalmente na história, a Utopia é importante porque mobiliza
ações e possibilita projetos nos quais, ao menos em parte, a esperança é
alcançada. Quanto mais alto e mais profundo for o teor da nossa esperança, mais
somos chamados a nos comprometer em transformar desde já a realidade atual. Eduardo
Galeano explica isso com uma imagem muito concreta: "A utopia está lá no
horizonte. Eu me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez
passos. A utopia parece mais distante. Por mais que eu caminhe, jamais
alcançarei. Para que, então, serve a utopia? Serve para isso: para me fazer
caminhar".
A utopia
mostra a meta para melhor fortalecer o caminho. Várias religiões se denominam
como caminho. Na cultura chinesa, Tao significa caminho. Taoísmo é a
espiritualidade que permite as pessoas caminharem de modo justo nas trilhas
dessa vida. Também o Cristianismo primitivo tinha como nome o caminho. Na literatura brasileira, Guimarães
Rosa fazia Riobaldo do "Grande Sertão Veredas", repetir sempre:
"O perigo não está na partida nem na chegada. Está na travessia".
O 1o
Festival da Utopia em Maricá, assim como todos os fóruns sociais que, pelos
diversos continentes, reúnem a sociedade civil e os movimentos sociais insistem
que a humanidade precisa e quer mudar de caminho. Todos serão mais felizes se passarem
de uma cultura da competição para a cooperação. Podemos nos organizar não mais a
partir da hierarquia e sim da parceria. A sustentabilidade pede que não se
pense o futuro só a curto prazo, mas como dizem os índios iroqueses,
"pensemos se nossas ações farão bem até a oitava geração de nossos
filhos". Isso supõe ampliar o foco do que é desejável para a sociedade.
Até agora a meta parece ser
exclusivamente centrada no crescimento e na expansão. É urgente dar
prioridade ao cuidado e à sacralidade da vida. Homens e mulheres precisam
superar o mundo patriarcal para uma convivência de equilíbrio e igualdade entre
os gêneros.
A fé
judaico-cristã nos lembra que o destino de todo ser humano é aquilo que os
profetas e os evangelhos chamam de "reino de Deus", ou seja, a realização
plena do projeto ou programa que Deus tem para o mundo. Segundo a Bíblia, não é
apenas a sociedade melhorada. É uma revolução total, expressa em imagens como
"vejo um novo céu e uma nova terra, na qual não haverá mais choro, nem
luto, nem dor, porque tudo o que era da antiga condição foi superado e o amor
divino será tudo em todos" (Cf. Ap 21, 5 ss).
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