Por Frei Betto
Sou vivido. Vi o Brasil passar por muitas crises. O suicídio de Vargas, em
agosto de 1954, estragou meu aniversário de 10 anos. JK soube, em 1956,
contornar a rebelião militar de Jacareacanga. A renúncia de Jânio, em 1961, me
levou às ruas pela primeira vez, em defesa da democracia.
O golpe militar de 1964 me arrancou da faculdade de Jornalismo para atirar-me
nas masmorras do CENIMAR (Centro de Informações da Marinha). O AI-5 me
desempregou do jornal e, meses depois, me conduziu a quatro anos de prisão.
Meu sonho, ainda hoje, é o socialismo. Fora da Igreja há salvação. Mas não há
salvação para a humanidade fora de um sistema no qual haja partilha dos bens da
Terra e dos frutos do trabalho humano, e onde os direitos humanos estejam acima
dos privilégios do capital.
Para um sonho se tornar realidade são necessárias mediações. Busquei-as na Ação
Católica. Os bispos, pressionados pela ditadura, a desmantelaram. Apoiei
organizações revolucionárias contra a ditadura. A repressão as derrotou.
Tornei-me eleitor do PT. O partido se deixou contaminar pelo elitismo e a
corrupção, em treze anos de governo não promoveu nenhuma reforma estrutural, e
calou-se quanto ao socialismo. Hoje, voto PSOL.
Meu fio de esperança se prende aos movimentos sociais. Não são perfeitos. Neles
há também oportunistas e corruptos. Mas estes são exceções. Porque a base da
maioria dos movimentos é a gente pobre que luta com dificuldade para
sobreviver. Essa gente costuma ser visceralmente ética. Não acumula, partilha.
Não se entrega, resiste. Não se deixa derrotar, levanta, sacode a poeira e dá a
volta por cima.
Não sei o que será do nosso Brasil nos anos vindouros. Sei apenas que fora dos
movimentos sociais a nação não tem salvação. O PT tentou e se deu mal. Em uma
sociedade tão marcadamente dividida em classes sociais, somente o vínculo
orgânico com os pobres nos mantém com os pés no chão, a alma repleta de fome de
justiça e a cabeça fiel à utopia socialista.
A democracia é uma senhora muito ciosa de suas origens. Todas as vezes que
tentam prostituí-la, sequestrá-la, corrompê-la, reage e desmascara seus
algozes. Ela prefere sempre se abrigar em seu ninho: o protagonismo popular.
O capitalismo tenta nos ludibriar, convencer-nos de que democracia é sinônimo
de rotatividade eleitoral. Ora, a verdadeira democracia se apoia na economia,
na partilha das riquezas; na ecologia, ao cuidar da proteção ambiental; na
cultura, ao assegurar a todos o direito de criar e se expressar; e na política,
ao dotar todos os cidadãos e cidadãs de poder para monitorar os rumos do Estado
e, portanto, da sociedade.
Nenhuma esquerda ideológica se sustenta por muito tempo sem este respaldo
fisiológico: o contato direto com os movimentos nos quais os pobres se
organizam e lutam por seus direitos.
Frei Betto é escritor,
autor do romance policial “Hotel Brasil – o mistério das cabeças degoladas”
(Rocco), entre outros livros.
ca do Universo”
(José Olympio), entre outros livros.
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