Por Leonardo
Boff
Ocorrem coisas estranhas no reino que
não é da Dinamarca mas do Brasil: uma presidenta é afastada por erros menores
de administração financeira que ocorrem em todo os governos no mundo inteiro e
que não representam motivos para sua destituição pelo simples fato de não haver
proporção entre o eventual erro e a pena máxima. É pretexto para outra coisa.
Recentemente descobriu-se por
gravações entre líderes da oposição, nomeadamente do PMDB e do PSDB com um dos
diretores da Petrobrás que o real motivo do afastamento da presidenta não era
tanto a alegada irresponsabilidade fiscal. O afastamento era necessário para
encerrar a investigação na Petrobrás, do famoso Lava-Jato, que envolvia
corruptos não só do PT mas dos principais partidos: ministros, senadores e
deputados da oposição. Para escaparem dos processos e das prisões, precisavam
encerrar aquela “sangria desatada”(R. Jucá) que envolvia milhões e milhões de
dólares, ameaçando os políticos.
Essa é a razão rasa do processo de
impeachment da Presidenta. Bem disse Noam Chomsky que vive com uma brasileira,
trata-se de “um bando de ladrões acusando uma mulher inocente, contra a qual
sequer há indícios de crime.” Esse bando se uniu com o conspirador-mor, o vice-presidente
Michel Temer, com setores do próprio STF, conivente e omisso. com a PF e o MP
para escaparem ilesos de seus crimes e salvarem suas carreiras políticas. A
intenção originária e perversa era desestabilizar o governo do PT, o que em
parte conseguiram, apoiados por uma imprensa conservadora e caluniosa, das mais
concentradas do mundo. Buscava-se desconstruir a figura carismática de Lula.
Elites regressivas, saudosas da Casa Grande, buscam o poder que perderam nas
eleições e consideram inaceitável a ascensão dos pobres na vida social e
universitária.
O vice-presidente, um homem fraco e
sem qualquer liderança, esqueceu-se que era vice e que deveria substituir a
presidenta, enquanto durasse o processo contra ela, mantendo a máquina
governamental. Sequestrou o cargo como se fosse presidente, com um projeto
político não apresentado ao povo, montando todo um governo novo com gente da
pior espécie política, alguns acusados por corrupção, todos brancos e ricos. Os
ministérios que tinham alma (como da Cultura, dos Direitos Humanos, das
Mulheres, da Diversidade racial, nos Negros e Índios e outros) foram reduzidos
ou abolidos ficando apenas com aqueles que são esqueletos da administração
(planejamento, fazenda e outros).
Como é sabido, e a jornalista
canadense Noemi Klein, o explicitou há dias numa entrevista sobre a situação do
Brasil: em momentos de crise e de caos político, o propulsores do projeto
radical do neoliberalismo, projetado pelos “chicagoboys”(Milton Friedman)
aplicam sem piedade a “Doutrina do Choque”. Aproveitam a fraqueza das
instituições e do poder central para impor seu projeto absolutamente
anti-popular e anti-social que privatiza bens públicos, corta benefícios
sociais para beneficiar as classes endinheiradas. Pois esse projeto
descaradamente liberal está sendo imposto ao povo brasileiro.
José Serra, ministro das relações
exteriores, sem qualquer qualificação para o cargo e bronco nas relações, está
correndo o mundo para vender parte do Brasil, especialmente a privatização de
bens públicos e o pre-Sal.
Vale recordar que a população já se
deu conta das tramoias golpistas. Onde quer que apareçam deputados ou senadores
nos aeroportos ou ruas são apupados de golpistas ou submetidos a “escrachos”. O
vice presidente sequer pode sair de casa em São Paulo ou do palácio em Brasília
pois as multidões gritam ”fora Temer”. Sua popularidade está por 1% de
aceitação. Só mesmo a vaidade o mantem no poder, pois não passa de um figurante
de forças que o manejam como o grupo do mafioso, corrupto e chantagista de
Eduardo Cunha. O silêncio de setores do STF está na tradição de 1964, como
apoiadores do golpe, contra qualquer ética jurídica e imparcialidade como é o
caso inegável do Ministro Gilmar Mendes.
Mas um novo sujeito político surgiu
nas últimas semanas: as multidões nas ruas, gritando pela democracia e “fora
Temer”. Protagonistas estão sendo as milhares de mulheres, revoltadas contra a
cultura do estupro e também em solidariedade à mulher Dilma. vítima do
inveterado machismo brasileiro.
Outro protagonista novo são jovens de
todas as idades, conscientemente distanciados dos partidos mas que reclamam por
democracia, ocupam escolas por melhor educação e cobram reformas. Todos os dias
são milhares e milhares enchendo as ruas com suas bandeiras e músicas.
Seguramente, quem vai derrubar o impeachment serão as ruas.
Os senadores pró-impeachment muito
deles sob acusações, dificilmente se livrarão, pela vida afora, do epíteto de
golpistas.
Leonardo Boff é articulista do JB on
line e escritor
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