O Jornal On Line O PORTA-VOZ surgiu para ser o espaço onde qualquer pessoa possa publicar seu texto, independentemente de ser escritor, jornalista ou poeta profissional. É o espaço dos famosos e dos anônimos. É o espaço de quem tem alguma coisa a dizer.

terça-feira, 28 de junho de 2016

A PAIXÃO DE PAULO: A CRUZ DE CRISTO

Por Maria Clara Lucchetti Bingemer


 
        Poucos encontros na história da humanidade são narrados com tamanha intensidade e paixão como o de Paulo de Tarso com Jesus Cristo.  O texto do Novo Testamento usa expressões de grande força simbólica e evocativa para descrevê-lo: uma luz resplandecente vinda do céu, uma voz que soava forte e perguntava: “Por que me persegues?”
        Aquilo que se apresenta como uma teofania esmagadora e terrível provocou em Paulo uma rendição sem limites.  A pessoa que se manifesta naquela luz e naquela voz é por ele chamada de Senhor desde o primeiro momento. Entre trêmulo e atônito, Paulo só ousa perguntar humildemente àquele que o conquistou para sempre o que deve fazer. Apaixonado e seduzido no mais profundo de si mesmo encontraria a partir dali o sentido de sua vida na pessoa do Cristo Ressuscitado que atravessou seu caminho na estrada de Damasco.
         Quando nos apaixonamos tudo passa a ser diferente.  É o amor apaixonado que determina nossa vida.  Nosso acordar pela manhã e nosso entardecer.  Nossas decisões, o que fazer com nosso tempo, o que priorizar em nossas escolhas. O que é capaz de assombrar-nos, o que tem poder de maravilhar-nos.  O que provoca nossa entrega sem retorno e sem voltar atrás.  Aquilo pelo qual somos capazes de morrer e que por isso dá um sentido à nossa vida.
         Assim foi com o amor apaixonado que Paulo de Tarso sentiu e experimentou desde aquele primeiro minuto na estrada de Damasco até o fim de sua vida.  A paixão por Jesus Cristo determinava seus afetos, atos, pensamentos e polarizava todas as suas energias.  A única coisa que passou a importar para ele foi seguir esse Senhor que lhe arrebatara o coração, anunciá-lo por toda parte e a toda gente. E identificar-se com ele de modo tão profundo que já não houvesse separação possível entre os dois.

         Tudo que antes Paulo considerava valioso e apreciável, diante da magnitude da presença de Jesus Cristo em sua vida tornou-se lixo e perda. A única coisa que o urgia e impulsionava para frente era o amor de Cristo. Viver para Paulo era, então, não mais viver para si, mas para Aquele que por nós morreu e ressuscitou. Tomado por um amor incondicional, Paulo se lança para frente com os olhos fixos em Jesus Cristo e dessa união extrai forças para o seu ministério apostólico cheio de vicissitudes e dificuldades.
         Diante delas, porém, Paulo não recua nem treme, pois considera um privilégio e uma alegria trazer em seu corpo as marcas de Cristo e experimentar na carne os sofrimentos de Cristo pelo bem de sua Igreja. A mútua compenetração entre amante e amado se faz cada vez mais íntima e profunda a ponto de fazer Paulo sentir e exclamar estar pregado na cruz com Jesus Cristo.  Não é mais ele que vive, mas Cristo que nele vive. 
         A fé em Jesus Cristo e o amor que dela deriva levam Paulo a morrer para a lei pela qual antes se guiava cegamente, a fim de viver para Deus.  E a viver sua vida na fé no Filho de Deus que – confessa ele cheio de gratidão – “me amou e se entregou por mim”. Diante da entrega total da paixão de Cristo, Paulo sente-se arrebatado de amor e declara não pretender jamais gloriar-se a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para ele e ele para o mundo..
         Em nosso tempo de relações líquidas e fugazes, que se fazem e desfazem com o simples toque de um clic, onde tudo é descartável e efêmero, e se desfaz no momento seguinte em que se faz, a gigantesca figura de Paulo de Tarso nos diz algo importante sobre o que é o amor.  Não emoção passageira, sentimento barato, sensação volátil.  Mas paixão que arrebata e exige a vida inteira.  Algo pelo qual vale a pena morrer e que por isso mesmo ensina a viver com sentido e plenitude. 
         
 Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ, é autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco)


Nenhum comentário:

Postar um comentário