Por Maria Clara Lucchetti Bingemer
Poucos encontros na história da humanidade são narrados com tamanha intensidade e paixão como o de Paulo de Tarso com Jesus Cristo. O texto do Novo Testamento usa expressões de grande força simbólica e evocativa para descrevê-lo: uma luz resplandecente vinda do céu, uma voz que soava forte e perguntava: “Por que me persegues?”
Aquilo que se apresenta como uma teofania esmagadora e terrível provocou em
Paulo uma rendição sem limites. A pessoa que se manifesta naquela luz e
naquela voz é por ele chamada de Senhor desde o primeiro momento. Entre trêmulo
e atônito, Paulo só ousa perguntar humildemente àquele que o conquistou para
sempre o que deve fazer. Apaixonado e seduzido no mais profundo de si mesmo
encontraria a partir dali o sentido de sua vida na pessoa do Cristo
Ressuscitado que atravessou seu caminho na estrada de Damasco.
Quando nos apaixonamos tudo passa a ser diferente. É o amor apaixonado
que determina nossa vida. Nosso acordar pela manhã e nosso
entardecer. Nossas decisões, o que fazer com nosso tempo, o que priorizar
em nossas escolhas. O que é capaz de assombrar-nos, o que tem poder de
maravilhar-nos. O que provoca nossa entrega sem retorno e sem voltar atrás.
Aquilo pelo qual somos capazes de morrer e que por isso dá um sentido à nossa
vida.
Assim foi com o amor apaixonado que Paulo de Tarso sentiu e experimentou desde
aquele primeiro minuto na estrada de Damasco até o fim de sua vida. A
paixão por Jesus Cristo determinava seus afetos, atos, pensamentos e polarizava
todas as suas energias. A única coisa que passou a importar para ele foi
seguir esse Senhor que lhe arrebatara o coração, anunciá-lo por toda parte e a
toda gente. E identificar-se com ele de modo tão profundo que já não houvesse
separação possível entre os dois.
Tudo que antes Paulo considerava valioso e apreciável, diante da magnitude da presença de Jesus Cristo em sua vida tornou-se lixo e perda. A única coisa que o urgia e impulsionava para frente era o amor de Cristo. Viver para Paulo era, então, não mais viver para si, mas para Aquele que por nós morreu e ressuscitou. Tomado por um amor incondicional, Paulo se lança para frente com os olhos fixos em Jesus Cristo e dessa união extrai forças para o seu ministério apostólico cheio de vicissitudes e dificuldades.
Diante delas, porém, Paulo não recua nem treme, pois considera um privilégio e
uma alegria trazer em seu corpo as marcas de Cristo e experimentar na carne os
sofrimentos de Cristo pelo bem de sua Igreja. A mútua compenetração entre
amante e amado se faz cada vez mais íntima e profunda a ponto de fazer Paulo
sentir e exclamar estar pregado na cruz com Jesus Cristo. Não é mais ele
que vive, mas Cristo que nele vive.
A fé em Jesus Cristo e o amor que dela deriva levam Paulo a morrer para a lei
pela qual antes se guiava cegamente, a fim de viver para Deus. E a viver
sua vida na fé no Filho de Deus que – confessa ele cheio de gratidão – “me amou
e se entregou por mim”. Diante da entrega total da paixão de Cristo, Paulo
sente-se arrebatado de amor e declara não pretender jamais gloriar-se a não ser
na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para
ele e ele para o mundo..
Em nosso tempo de relações líquidas e fugazes, que se fazem e desfazem com o
simples toque de um clic, onde tudo é descartável e efêmero, e se desfaz no
momento seguinte em que se faz, a gigantesca figura de Paulo de Tarso nos diz
algo importante sobre o que é o amor. Não emoção passageira, sentimento
barato, sensação volátil. Mas paixão que arrebata e exige a vida
inteira. Algo pelo qual vale a pena morrer e que por isso mesmo ensina a
viver com sentido e plenitude.
Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ, é autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco)
Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora do Departamento de Teologia da PUC-RJ, é autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco)
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