É com muita alegria que, a partir de hoje, temos uma nova colaboradora em nosso blog. Seja muito bem vinda.
Por Ivone Gebara
“A grande maioria dos
fiéis parece silenciosa e desconhece sua história, sua política e sua teologia,
quando muito o acham simpático e não hesitariam, talvez, em comprar uma foto do
Papa e guardá-la como lembrança”, comenta Ivone Gebara, filósofa e teóloga
feminista/ecofeminista. Foi professora do Instituto de Teologia do Recife,
fechado em 1989 por ordens do Vaticano.
A quem de fato interessa a
avaliação dos dois anos de pontificado de Francisco? O que as múltiplas e
diversas avaliações contribuem para o conjunto das comunidades católicas e para
o mundo? O que as pessoas mais simples das paróquias, comunidades de base e
movimentos eclesiais teriam para dizer sobre sua atuação? O que as outras
Igrejas cristãs estão dizendo?
Sinto que os diferentes
grupos da Igreja Católica querem, cada um de seu jeito, recuperar as posições
do Papa como seu aliado ou mesmo seu refém. Alguns fazem dele adepto da
teologia da libertação e até discípulo de célebres teólogos. Outros o descrevem
como silencioso em relação à ditadura militar argentina. Outros falam de sua
simplicidade, de suas posições políticas a favor dos pobres, de sua proximidade
aos marginalizados e injustiçados de muitas partes do mundo. Alguns o temem e
pensam que sua postura liberal poderá conduzir a Igreja Católica a uma desordem
maior do que a existente. Entretanto, a grande maioria dos fiéis parece
silenciosa e desconhece sua história, sua política e sua teologia, quando muito
o acham simpático e não hesitariam, talvez, em comprar uma foto do Papa e
guardá-la como lembrança. Com essas observações quero lembrar a complexidade
das avaliações e análises publicadas pela imprensa em relação ao Papa
Francisco. Muitas vezes os meios de comunicação social colecionam opiniões,
polemizam, mas pouco ajudam no envolvimento e responsabilidade das pessoas em
relação às grandes questões de nosso tempo.
Abertura
Creio que é constatação inegável
a abertura de Francisco à situação dos povos em busca de sobrevivência, dos
refugiados de todos os países, dos condenados ao desterro, dos mortos tragados
pelo mar quando buscavam vida. Além disso, Francisco prepara uma encíclica
sobre a gravíssima situação climática de nosso planeta como questão fundamental
de nosso tempo. Ele tem sido capaz de ser sensível a muitos problemas vividos
pela comunidade internacional, pelo 'planeta azul' exposto a graves riscos de
destruição, sem esquecer as iniciativas em relação à reforma da cúria romana.
Entretanto, para além das
opiniões, avaliações e previsões de tantos especialistas, pergunto: que diria
Francisco de seu pontificado? Ousaria expressar as múltiplas pressões políticas
internacionais e vaticanas a algumas de suas posições? Ousaria afirmar-se em
oposição aos que o precederam, sobretudo os mais próximos? Que angústias o
acometem quando se vê “aprisionado” por tantos interesses diferentes? Que
sombras o envolvem quando quase octogenário se sente questionado por tantas
visões diferentes de mundo?
As pequenas notas
destoantes em relação aos seus predecessores e algumas atitudes de simplicidade
não significam necessariamente a inauguração de um novo modelo de coordenação e
governo da Igreja Católica. A tradição de um Papado vinculado a um Estado
político, o Estado do Vaticano, perpassa todas as atitudes e boas intenções de
Francisco e revelam a complexidade da História do Catolicismo Romano.
Mulheres
Sei que algumas leitoras e
leitores esperam que eu emita alguma opinião sobre a postura de Francisco em
relação às mulheres. Em outras ocasiões já escrevi e falei sobre a dificuldade
de uma Igreja patriarcal cujo poder de mando repousa sobre cabeças masculinas
de se sentir aliada e solidária com os esforços de luta pela dignidade feminina
neste século. Não conseguem nem pronunciar palavras como ‘feminismo’ de forma
positiva, além de desconhecerem quase completamente as teses feministas.
Podemos reconhecer a solidariedade hierárquica masculina quando se trata de
situações-limite expressas em diversas formas de violência cultural e social
contra as mulheres. Entretanto, muitas formas de exclusão, de desvalorização,
de violência simbólica, de falta de autonomia, de linguagem excludente, mal
chegam a ser percebidas, sobretudo quando acontecem no interior da própria
instituição católica. Não percebem ‘nem traves e nem palhas em seus olhos’ e
atitudes. Não querem ouvir os clamores femininos de coração aberto.
A antropologia teológica
que preside a grande maioria das posturas da oficialidade da Igreja Católica
Romana provém de uma visão hierárquica que privilegia o masculino como imagem
primeira do divino. E privilegia o divino com imagem histórica masculina. Além
disso, justifica essas posturas como sendo ‘revelação divina’, escondendo atrás
dessa justificação limites imensos. Estes limites impedem o diálogo com os
diferentes grupos que se sentem também parte da tradição de Jesus de Nazaré
sempre de novo interpretada, não necessariamente através de referenciais
filosóficos antigos e medievais. Acentua-se, por exemplo, a crucifixão de Jesus
e muito pouco as lágrimas de Maria e da comunidade de crentes. Muito embora
esta referência esteja presente, não é capaz de modificar a interpretação da
"sagrada" masculina hierarquia dominante.
Pensar, desejar, esperar é
sempre bom e necessário. Por isso espero que sejamos nós as/os pontífices de
nossas comunidades, ou seja, que sejamos capazes de ser ‘pontes’ para nos
articularmos, aprendermos e ajudar-nos uns aos outros orientados pelo difícil
amor ao próximo como a nós mesmos. E que o irmão Francisco se torne cada vez
mais um símbolo significativo do que somos e queremos ser uns para os outros.
Ivone Gebara é
filósofa, religiosa e teóloga. Ela lecionou durante quase 17 anos no Instituto
Teológico do Recife – ITER. Dedica-se a escrever e a ministrar cursos e
palestras, em diversos países do mundo, sobre hermenêuticas feministas, novas
referências éticas e antropológicas e os fundamentos filosóficos e teológicos
do discurso religioso. Entre suas obras publicadas estão Compartilhar os
pães e os peixes, O cristianismo, a teologia e teologia feminista (2008), O
que é Cristianismo (2008), O que é Teologia Feminista (2007), As
águas do meu poço. Reflexões sobre experiências de liberdade (2005), entre
outras.
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