Por Marcelo
Barros
Sem dúvida,
a cada ano, a humanidade revela uma consciência mais profunda sobre os limites
da natureza e como somos todos responsáveis para que a Terra continue a ser um planeta
com vida e possamos conviver melhor com o ambiente que nos cerca. Em 1972, para
visibilizar a primeira conferência internacional sobre as mudanças climáticas,
a ONU instituiu o 05 de junho como dia internacional do ambiente. Desde então,
a humanidade já fez um bom caminho, apesar de que a maioria dos governos não
aceita tomar nenhuma medida que ponha em questão o modelo de
desenvolvimento vigente e a supremacia
do mercado. Como o sistema econômico dominante é intrinsecamente depredador, as
medidas ecológicas são paliativas. Os dados científicos comprovam: esse modelo
de desenvolvimento já chegou a um ponto no qual a Terra perdeu sua capacidade
de atender às demandas humanas e às necessidades dos ecossistemas. Por isso, as
mudanças climáticas são sempre mais violentas. A cada dia, aumenta o número de
espécies extintas. E esse sistema que maltrata e ameaça a vida na Terra é cada
vez mais cruel com um número maior de seres humanos. Atualmente, apenas 62
indivíduos concentram uma riqueza equivalente a tudo o que possui a metade da
humanidade (3 bilhões e meio de pessoas). E o Capitalismo continua a diminuir o
Estado social (que defende os pobres), provoca a demissão de mais trabalhadores
para que as empresas tenham maior lucro e destrói a natureza tornando-a mera
mercadoria. Há tempos que os povos indígenas descobriram que, quanto mais ricos
são os seus territórios, mais os povos que os habitam se tornam pobres.
Até
hoje, as companhias mineradoras destroem a natureza, abrem as profundidades da
terra e escravizam as populações locais para vender minérios a algum país do
outro lado do mundo, ou exportar ouro e prata para as joias da nobreza das
cortes europeias.
Há quase 40
anos, os bispos católicos do Brasil denunciaram esse modelo de
"desenvolvimento sem justiça". No Nordeste brasileiro, já na década
de 50, intelectuais como Josué de Castro e Celso Furtado escreveram que as
políticas de "combate às secas" e desenvolvimento do sertão só
serviam para enriquecer os coronéis e tornar o povo do Semiárido cada vez mais
pobre e dependente. Desde os anos 90, centenas de entidades e organizações
sociais se juntaram na Articulação do Semiárido Brasileiro, (ASA) e propõem
outro modo de lidar com os problemas ecológicos, sociais e econômicos do
sertão: a convivência com o Semiárido. A proposta é de conhecer o mais possível
a região, suas possibilidades e limites. A partir daí, se buscar o modo de
viver em harmonia com a natureza, a terra e a água. De certo modo, é esse mesmo
caminho que os povos indígenas de diversas regiões do continente chamam de Bem
Viver.
Cada
cultura indígena tem um nome diferente para essa meta: a vida justa e boa, o viver
em comunhão e jeito certo de viver. Trata-se de priorizar a vida pessoal e
coletiva, humanizar sempre mais as relações, cultivar a solidariedade, criar
uma política participativa baseada o mais possível no consenso e não na luta
por cargos ou na vitória de uma maioria. O Bem viver se aprofunda em uma
relação de convivência amorosa com a mãe Terra e com a natureza, colocando
sempre a sustentabilidade como prioridade na construção do futuro. Para as
culturas indígenas, esse modo de ser só se explica por uma profunda
espiritualidade. Não se trata apenas de cultivar alguma religião, mas de curtir
e contemplar a presença e ação amorosa de uma energia ou espírito que, por trás
de cada planta e de cada animal, vai atualizando um ato criador que é
permanente e que faz do universo uma imensa relação de amor, uma espécie de
sinfonia cósmica a tocar o coração de toda pessoa que crê. Para quem é cristão,
o Bem Viver corresponde à meta que Jesus propôs no evangelho, ao afirmar:
"Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância" (Jo 10, 10).
Marcelo Barros, monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.
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