Marcelo Barros
Cada ano, as
Igrejas históricas fazem do primeiro dia do ano “o dia mundial da Paz”. Há 54
anos, para cada 1º de janeiro, o papa manda uma mensagem para a humanidade.
Cada ano, ele propõe um aspecto ou elemento que devemos trabalhar mais para
avançarmos na conquista da paz. Para este 1º de janeiro de 2021, o papa propôs
como tema a ser aprofundado: “A cultura do cuidado como percurso de paz”.
Este tema nunca
foi tão oportuno e urgente. O repique da Covid 19 em todas as regiões do Brasil
e a notícia de mutação do vírus com nova roupagem e nova força em vários países
trazem desafios imensos para o ano de 2021. É estranho pensar que chegamos ao
ponto no qual não abraçar e não dar as mãos a alguém pode ser o maior sinal de
carinho e cuidado que temos com aquela pessoa. Não deixa de ser estranho ver
fotos ou filmes das pessoas andando nas ruas com máscaras e saber que temos de
nos sentar sempre a certa distância física. No entanto, o que adiantam esses
cuidados, se quase metade da população brasileira não tem acesso a um
saneamento básico adequado. Como ter justiça no Brasil, se cinco ou seis
brasileiros detêm uma renda equivalente à metade de toda a população pobre? Como
obedecer à prescrição de lavar as mãos se nem água muitos têm em casa? Como
ficar em casa se não há o que comer nem como viver dignamente? Como pensar em
um ano novo de paz em uma sociedade na qual, a cada dia, vemos novos sinais de
racismo estrutural, sinais de machismo e de violência?
Na sua mensagem
para este ano novo, o papa Francisco
afirma que, no mundo inteiro: “É doloroso
constatar que, ao lado de numerosos testemunhos de caridade e solidariedade,
infelizmente ganham novo impulso várias formas de nacionalismo, racismo,
xenofobia e também guerras e conflitos que semeiam morte e destruição”.
É baseado nesta
constatação que o papa diz claramente: “Por
isso, escolhi como tema desta mensagem «a cultura do cuidado como percurso de
paz»; a cultura do cuidado, para erradicar a cultura da indiferença, do
descarte e do conflito, que hoje muitas vezes parece prevalecer”.
Em sua
mensagem, o papa mostra que todas as tradições religiosas ensinam o cuidado com
o outro como expressão da fé e da espiritualidade. Como escreve principalmente
aos cristãos, ele desenvolve uma interpretação que mostra como toda a Bíblia e
a vida de Jesus nos evangelhos revela a pedagogia do cuidado. No entanto, este
apelo de fundamentar o nosso estilo de vida no cuidado com os outros e com a
natureza é algo que vai além da questão religiosa. Diz respeito à sobrevivência
da espécie humana no planeta Terra e na possibilidade de ter uma convivência de
paz que é essencial para todos e todas. Por isso o papa propõe uma «gramática»
do cuidado.
Assim como
aprendemos a falar bem o nosso idioma, precisamos aprender a gramática do
cuidado. Isso significa que temos de aprofundar as bases sociais da convivência
humana. A Covid 19 confirmou que dependemos muito mais uns dos outros do que
pensávamos. Qualquer tipo de vírus, seja a Covid 19, seja o vírus do egoísmo,
do desamor e da indiferença para com o outro que atinge uma pessoa humana fere toda
a humanidade.
A gramática do
cuidado nos ajudará a falar bem o idioma do cuidado como promoção da dignidade e dos
direitos de cada pessoa e de toda a humanidade. Isso significa respeito aos
bens comuns da terra e da vida. Sobre essa dimensão ecológica do cuidado, o
papa explica: “A encíclica Laudato si’
reconhece plenamente a interconexão de toda a realidade criada, destacando a
exigência de ouvir ao mesmo tempo o grito dos necessitados e o da criação.
Desta escuta atenta e constante pode nascer um cuidado eficaz da terra, nossa
casa comum, e dos pobres”.
Todos sabemos
que, muito possivelmente, neste ano 2021, o Brasil verá a vida e as condições
dos pobres serem seriamente agravadas.
Mais do que nunca será necessária a solidariedade efetiva e permanente.
Sobre isso o papa Francisco comenta: “A
solidariedade exprime o amor pelo outro de maneira concreta, não como um
sentimento vago, mas como «a determinação firme e perseverante de se empenhar
pelo bem comum, ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos
verdadeiramente responsáveis por todos». A solidariedade ajuda-nos a ver o
outro, não como um dado estatístico, mas
como nosso próximo, companheiro de viagem, chamado a participar, como nós, no
banquete da vida, para o qual todos somos igualmente convidados por Deus”.
Marcelo Barros, monge
beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é
"Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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