FREI ALOÍSIO FRAGOSO
"Deus acima de tudo". Com esta
legenda suspendemos, ao meio, nossa
reflexão anterior, com a promessa de dar-lhe continuidade....
Não obstante aparentar uma perfeita
confissão de fé, "Deus acima de tudo" virou bandeira ideológica nas
mãos de movimentos fascistas, de extrema direita, que voltaram a medrar mundo
afora. Seu apelo de teor espiritual, transcendente, facilmente ilude um grande
número de incautos e simplórios, que nunca levantam dúvidas quando são
cortejados com o nome de Deus. Mas os que aliam fé e lucidez desconfiam de
ocultas intenções.
A que Deus estão se referindo? Se for ao
Deus dos cristãos, terão que se confrontar com as palavras do apóstolo Paulo:
"Embora sendo de natureza divina, Ele se humilhou, assumindo nossa
natureza humana, fazendo-se igual a nós em tudo, menos no pecado" cf.
Fil.2,5ss. O Deus da nossa fé, portanto, não é o que fica nas alturas e sim o
que desce e se faz um a mais, no meio de nós.
Confinado entre duas aspas e manipulado
ideologicamente, seu nome se presta ao arbítrio de cada um para dar-lhe a
identidade que lhe aprouver. Para uns, "Jesus", para outros
"Luta contra o comunismo",
para estes, "Cruzada anti-aborto", para aqueles "Morte ao
PT", garantindo-se, em todos os casos, sua ideologia latente, a saber, o
conservadorismo, o "status quo", a supremacia das classes dominantes.
A última coisa que seus fiéis devotos
admitem é a de serem convencidos de que eles não tem razão. Daí seu intolerante
maniqueísmo. "Nós estamos com a Verdade, os que divergem de nós estão com
a Mentira. A Verdade não pode dialogar com a Mentira, tanto quanto Deus não
dialoga com satanás. Imaginem, um belo dia o diabo aparece em nossa casa e nos
convida para uma conversa amigável. Quem vai confiar em amizade com o capiroto!
Temos de enxotá-lo imediatamente: xô, satanás! Assim também, se nossos
adversários chegarem com seus argumentos racionais, não vamos discutir, vamos
enxotá-los com nossos gritos de guerra ( Comunistas! Ateus! Bolivarianos!
Petistas!).
Estas idéias deixam aberto e limpo o campo
onde brota e cresce a "teologia da prosperidade" Esta convoca os seus
seguidores a participar ativamente da política, não em vista da transformação
social, da conquista de um mundo mais igualitário, e sim para a luta da Bem
contra o Mal, cujas fronteiras são delimitadas pelos ministros de suas igrejas.
O mal é representado por todas as forças que divergem do seu modo de ver e
julgar a realidade.
O sucesso material será o aval de Deus. O
enriquecimento não trará consigo nenhuma responsabilidade social, uma vez que
ele procede de um privilégio para os escolhidos de Deus, e não é destinado para
todos.
O
ensinamento de Jesus se coloca diametralmente na contra-mão desta ideologia.
"Não ajunteis para vós tesouros nesta terra, onde as traças roem e os
ladrões roubam.... pois onde está o vosso tesouro aí estará o vosso
coração" MT.6,19. "As raposas tem suas covas e as aves, os seus
ninhos, mas eu não tenho sequer onde repousar a cabeça" Mt.8,20.
"Como é difícil um rico entrar no Reino de Deus" Mt.19,23. Jesus não prega o estado de pobreza como
desígnio de Deus para seus filhos e filhas, mas sim a partilha dos bens e
riquezas na perspectiva da justiça e da fraternidade, em vista da felicidade
geral.
A "teologia da prosperidade"
inverte a doutrina cristã. Ela é materialista e individualista no seu código
genético.
A pandemia do coronavirus expôs às claras
a farsa do fundamentalismo. O tenebroso vírus não faz distinção de classe
social, de fortuna, de religião, de igrejas. Pobres e ricos superlotam as UTIs.
Como reagem seus líderes? Após os primeiros ensaios de rebeldia contra o
isolamento e, a seguir, as delirantes promessas de curas milagrosas, tiveram
que recolher-se ao silêncio compulsório e à contagem de seus prejuízos
financeiros.
Enquanto isso, Deus continua falando
através dos acontecimentos, e ecoa no tempo a advertência de Jesus: "Nada
há de oculto que não venha um dia a ser revelado" Lc.12,2
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da
Tenda da Fé e escritor.
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