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domingo, 10 de janeiro de 2021

PROSPERO ANO NOVO EM TEMPOS DE CORONAVIRUS (2)

 

FREI ALOÍSIO FRAGOSO

 


     "Deus acima de tudo". Com esta legenda suspendemos, ao meio,  nossa reflexão anterior, com a promessa de dar-lhe continuidade....

     Não obstante aparentar uma perfeita confissão de fé, "Deus acima de tudo" virou bandeira ideológica nas mãos de movimentos fascistas, de extrema direita, que voltaram a medrar mundo afora. Seu apelo de teor espiritual, transcendente, facilmente ilude um grande número de incautos e simplórios, que nunca levantam dúvidas quando são cortejados com o nome de Deus. Mas os que aliam fé e lucidez desconfiam de ocultas intenções.

     A que Deus estão se referindo? Se for ao Deus dos cristãos, terão que se confrontar com as palavras do apóstolo Paulo: "Embora sendo de natureza divina, Ele se humilhou, assumindo nossa natureza humana, fazendo-se igual a nós em tudo, menos no pecado" cf. Fil.2,5ss. O Deus da nossa fé, portanto, não é o que fica nas alturas e sim o que desce e se faz um a mais, no meio de nós.

     Confinado entre duas aspas e manipulado ideologicamente, seu nome se presta ao arbítrio de cada um para dar-lhe a identidade que lhe aprouver. Para uns, "Jesus", para outros "Luta  contra o comunismo", para estes, "Cruzada anti-aborto", para aqueles "Morte ao PT", garantindo-se, em todos os casos, sua ideologia latente, a saber, o conservadorismo, o "status quo", a supremacia das classes dominantes.

     A última coisa que seus fiéis devotos admitem é a de serem convencidos de que eles não tem razão. Daí seu intolerante maniqueísmo. "Nós estamos com a Verdade, os que divergem de nós estão com a Mentira. A Verdade não pode dialogar com a Mentira, tanto quanto Deus não dialoga com satanás. Imaginem, um belo dia o diabo aparece em nossa casa e nos convida para uma conversa amigável. Quem vai confiar em amizade com o capiroto! Temos de enxotá-lo imediatamente: xô, satanás! Assim também, se nossos adversários chegarem com seus argumentos racionais, não vamos discutir, vamos enxotá-los com nossos gritos de guerra ( Comunistas! Ateus! Bolivarianos! Petistas!).

    Estas idéias deixam aberto e limpo o campo onde brota e cresce a "teologia da prosperidade" Esta convoca os seus seguidores a participar ativamente da política, não em vista da transformação social, da conquista de um mundo mais igualitário, e sim para a luta da Bem contra o Mal, cujas fronteiras são delimitadas pelos ministros de suas igrejas. O mal é representado por todas as forças que divergem do seu modo de ver e julgar a realidade.

     O sucesso material será o aval de Deus. O enriquecimento não trará consigo nenhuma responsabilidade social, uma vez que ele procede de um privilégio para os escolhidos de Deus, e não é destinado para todos.

     O ensinamento de Jesus se coloca diametralmente na contra-mão desta ideologia. "Não ajunteis para vós tesouros nesta terra, onde as traças roem e os ladrões roubam.... pois onde está o vosso tesouro aí estará o vosso coração" MT.6,19. "As raposas tem suas covas e as aves, os seus ninhos, mas eu não tenho sequer onde repousar a cabeça" Mt.8,20. "Como é difícil um rico entrar no Reino de Deus" Mt.19,23.  Jesus não prega o estado de pobreza como desígnio de Deus para seus filhos e filhas, mas sim a partilha dos bens e riquezas na perspectiva da justiça e da fraternidade, em vista da felicidade geral.

     A "teologia da prosperidade" inverte a doutrina cristã. Ela é materialista e individualista no seu código genético.

      A pandemia do coronavirus expôs às claras a farsa do fundamentalismo. O tenebroso vírus não faz distinção de classe social, de fortuna, de religião, de igrejas. Pobres e ricos superlotam as UTIs. Como reagem seus líderes? Após os primeiros ensaios de rebeldia contra o isolamento e, a seguir, as delirantes promessas de curas milagrosas, tiveram que recolher-se ao silêncio compulsório e à contagem de seus prejuízos financeiros.  

     Enquanto isso, Deus continua falando através dos acontecimentos, e ecoa no tempo a advertência de Jesus: "Nada há de oculto que não venha um dia a ser revelado" Lc.12,2

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

 

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