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quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

XENOFOBIA EM TEMPOS DE CORONAVIRUS (2)

 

FREI ALOISIO FRAGOSO


(22/01/2021)

     Em nossa última Reflexão começamos a falar de um fenômeno  que está se alastrando por toda parte, como uma das mais cruéis  discriminações  entre seres humanos. Além de tenebroso, ele é subliminar, só aparece em seus efeitos, semelhante ao coronavirus, porém mais devastador porque é gerado conscientemente.

     Trata-se da xenofobia.

     Em tradução literal, esta palavra de origem grega significa "medo do estrangeiro"; em suas consequências, ela se amplia e se transforma em "ódio ao diferente".

         Escolhemos como parâmetro um grupo de brasileiros cujos ancestrais habitavam estas terras quando aqui aportaram os primeiros invasores portugueses. A irrupção  do coronavirus veio escancarar sua vulnerabilidade, a ameaça que enfrentam por serem diferentes.

     Faz pouco tempo, um alto funcionário da FUNAI apresentou uma proposta com o seguinte conteúdo: vamos matricular crianças  das tribos indígenas em escolas das aldeias vizinhas. Aí  elas se misturam com outras crianças brancas, negras, morenas. Com tempo se amigam, se gostam, se casam e então acontece, espontaneamente, a miscigenação.

       os idiotas não  percebem nesta política de aparência simplória, a mais sutil forma de genocídio: a eliminação da própria identidade de um povo, vale dizer, o aniquilamento de sua alma. Uma repetição disfarçada do que aconteceu há 500 anos. Presenciando a completa destruição dos lugares sagrados de suas tribos pelos invasores espanhóis, muitos pajés aztecas pensavam "se destroem nosso deuses, destroem nossas almas". Então sentavam-se à beira do caminho e deixavam-se  definhar até  a morte. Como viver sem alma, sem identidade, sem história, sem ser?

 

     Qualquer pessoa que perde a raiz de seus ancestrais, as referências que lhe dão  sustentação vital, passa a vagar como ser indefinido, à deriva, privado de auto-estima, igual a um louco, sem saber quem é.

     A maior parte da nossa população, condicionada, mal-informada, enxerga nessa gente que vive em contato permanente com a natureza, personalizando todo universo, tratando como pessoas os montes, os rios, os bichos, as plantas; chamando a terra de mãe e se negando a ser proprietários dela porque não se pode comprar e vender a própria mãe, vendo nos outros seres não apenas os provedores da sua subsistência, mas também o sentido da sua existência, recusando-se a contribuir com um progresso que nada tem a ver com sua idéia de progresso... a maior parte a vê como subhumanidade, não se apercebe que aí se revela uma cosmovisão, uma filosofia de vida. Quem garante que a nossa é melhor, em sentido vivencial? Não somos melhores, não somos piores, somos iguais. Melhor é quem alcança o bem supremo de conviver em paz, em felicidade. O resto vem a seu tempo, determinado pela evolução dos séculos, no tempo de cada povo.

     É  hora de reaprendermos as grandes lições  da História. As atuais políticas xenofóbicas refazem o plano de todos os sistemas totalitários: morte às minorias! E novos Adolfos Hitler se reencarnam prontos a impor a ideologia da raça superior e única  no domínio  das nações.

    Nossa consciência cidadã  nos adverte: o fato de sermos iguais em humanidade não nos obriga à uniformidade de idéias, valores e crenças, mas nos torna capazes de atrair uns aos outros pelas nossas diferenças. Enquanto a Fé cristã nos remonta às origens do cristianismo: ele teve início, logo após o acontecimento de Pentecostes, quando os apóstolos começaram a pregar em Jerusalém, a um platéia heterogênea de judeus, partos, medos, ilamitas, e outros vindos do Egito, da Mesopotâmia, da Capadócia, da Frígia, da Panfília, (cfr. Atos 2,5ss). Todos estes ouviram decerto os apóstolos repetirem esta palavra de Jesus: "vocês sabem que os governantes deste mundo subjugam e oprimem seu povo; entre vocês não deve ser assim. Quem quiser ser o maior, seja o servo de todos" Mt.20, 25-26.

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

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