FREI ALOISIO FRAGOSO
(22/01/2021)
Em nossa última Reflexão começamos a falar
de um fenômeno que está se alastrando
por toda parte, como uma das mais cruéis
discriminações entre seres
humanos. Além de tenebroso, ele é subliminar, só aparece em seus efeitos,
semelhante ao coronavirus, porém mais devastador porque é gerado
conscientemente.
Trata-se da xenofobia.
Em tradução literal, esta palavra de
origem grega significa "medo do estrangeiro"; em suas consequências,
ela se amplia e se transforma em "ódio ao diferente".
Escolhemos como parâmetro um grupo de
brasileiros cujos ancestrais habitavam estas terras quando aqui aportaram os
primeiros invasores portugueses. A irrupção
do coronavirus veio escancarar sua vulnerabilidade, a ameaça que
enfrentam por serem diferentes.
Faz pouco tempo, um alto funcionário da
FUNAI apresentou uma proposta com o seguinte conteúdo: vamos matricular
crianças das tribos indígenas em escolas
das aldeias vizinhas. Aí elas se
misturam com outras crianças brancas, negras, morenas. Com tempo se amigam, se
gostam, se casam e então acontece, espontaneamente, a miscigenação.
Só
os idiotas não percebem nesta
política de aparência simplória, a mais sutil forma de genocídio: a eliminação
da própria identidade de um povo, vale dizer, o aniquilamento de sua alma. Uma
repetição disfarçada do que aconteceu há 500 anos. Presenciando a completa
destruição dos lugares sagrados de suas tribos pelos invasores espanhóis,
muitos pajés aztecas pensavam "se destroem nosso deuses, destroem nossas almas".
Então sentavam-se à beira do caminho e deixavam-se definhar até
a morte. Como viver sem alma, sem identidade, sem história, sem ser?
Qualquer pessoa que perde a raiz de seus
ancestrais, as referências que lhe dão
sustentação vital, passa a vagar como ser indefinido, à deriva, privado
de auto-estima, igual a um louco, sem saber quem é.
A maior parte da nossa população,
condicionada, mal-informada, enxerga nessa gente que vive em contato permanente
com a natureza, personalizando todo universo, tratando como pessoas os montes,
os rios, os bichos, as plantas; chamando a terra de mãe e se negando a ser
proprietários dela porque não se pode comprar e vender a própria mãe, vendo nos
outros seres não apenas os provedores da sua subsistência, mas também o sentido
da sua existência, recusando-se a contribuir com um progresso que nada tem a
ver com sua idéia de progresso... a maior parte a vê como subhumanidade, não se
apercebe que aí se revela uma cosmovisão, uma filosofia de vida. Quem garante que
a nossa é melhor, em sentido vivencial? Não somos melhores, não somos piores,
somos iguais. Melhor é quem alcança o bem supremo de conviver em paz, em
felicidade. O resto vem a seu tempo, determinado pela evolução dos séculos, no
tempo de cada povo.
É hora
de reaprendermos as grandes lições da
História. As atuais políticas xenofóbicas refazem o plano de todos os sistemas
totalitários: morte às minorias! E novos Adolfos Hitler se reencarnam prontos a
impor a ideologia da raça superior e única
no domínio das nações.
Nossa consciência cidadã nos adverte: o fato de sermos iguais em
humanidade não nos obriga à uniformidade de idéias, valores e crenças, mas nos
torna capazes de atrair uns aos outros pelas nossas diferenças. Enquanto a Fé
cristã nos remonta às origens do cristianismo: ele teve início, logo após o
acontecimento de Pentecostes, quando os apóstolos começaram a pregar em
Jerusalém, a um platéia heterogênea de judeus, partos, medos, ilamitas, e
outros vindos do Egito, da Mesopotâmia, da Capadócia, da Frígia, da Panfília,
(cfr. Atos 2,5ss). Todos estes ouviram decerto os apóstolos repetirem esta
palavra de Jesus: "vocês sabem que os governantes deste mundo subjugam e
oprimem seu povo; entre vocês não deve ser assim. Quem quiser ser o maior, seja
o servo de todos" Mt.20, 25-26.
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da
Tenda da Fé e escritor.
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