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sábado, 23 de janeiro de 2021

SONHOS E UTOPIAS EM TEMPOS DE CORONAVIRUS

 


 


FREI ALOÍSIO FRAGOSO

 

     Desde o início  desta pandemia do coronavirus, tem sido fácil distinguir duas posições  claramente polarizadas: a da cautela e a do confronto. A dos que se cuidam com os recursos básicos (isolamento, máscara, etc.) e dos que se expõem  ostensivamente (aglomeração, volta aos

 antigos hábitos, etc).

     À  primeira vista, parece uma mera divergência de pontos de vista e estratégias. Pouco a pouco, no entanto, vai emergindo a verdade submersa, a de que há dois mundos em guerra aberta. Não  lhes faltam comando central, legiões treinadas e arsenal de armas letais. Da boca do Chefe da Nação  se escuta uma frase de efeito que define bem uma das posições: "é  preciso abandonar o isolamento, voltar tudo à normalidade e os que tiverem de morrer, que morram".

     A massa da população também se polariza, porém não é  movida por uma consciência  ideológica, apenas se divide entre os que se abrem para uma mudança radical de hábitos  e os que só querem que tudo volte a ser como era antes.

     É  necessário ir a fundo na compreensão deste fenômeno. Ele esconde no seu âmago cosmovisões universais  sobre a vida, o mundo e o destino humano. Esconde uma luta titânica entre utopias revolucionárias e sistemas estabelecidos. Sempre que irrompem grandes crises na sociedade global voltam a emergir grandes utopias. Nos primeiros tempos do covid 19, falou-se muitas vezes "o mundo nunca mais será o mesmo". Utopia não significa mera fantasia, mas sim novo dinamismo que se oferece aos heróis,  aos profetas, aos sonhadores, aos revolucionários e apavoram os tradicionalistas e os Sistemas ditatoriais. Palavra de origem grega, ela se traduz por "não lugar", "lugar que não  existe". Por isso mesmo desafia os grandes aventureiros. Estes a perseguem com tamanha intensidade que a tornam real; nunca, porém, por completo. Por isso desdobra-se em novas utopias, que sempre habitarão a alma da humanidade.

 

     Os que perseguem utopias foram alimentados, através dos séculos, por grandes gênios do Pensamento humano, como Thomas Morus ("Utopia"), Tommaso Campanela ("A Cidade do Sol"), J.J.Rousseau ("O Contrato Social"), William Moris ("Notícias de Lugar Nenhum"), Aldous Huxley ("A Ilha").

     A Utopia vem acompanhada de sonhos. Sonhar, nesse contexto, não é abdicar da realidade, não é  descartar o sentido prático nem a dimensão política da existência. É  antes buscar um espaço  de orientação  para as grandes escolhas da vida, buscar um arsenal de energias a fim de encarar a realidade, em vista de indispensáveis  mudanças. Por vezes o sonho torna-se um refúgio onde podemos habitar, cansados de um mundo vazio de autênticas emoções. Enfim, o direito de sonhar é pai e mãe de todos os outros direitos, pois seu papel é  nutrir continuamente a esperança.

       pessoas que vivem de tal maneira dependentes de segurança, que qualquer  mudança da realidade lhes provoca um colapso  mental, como se lhes fosse faltar o chão debaixo dos pés. Estas pessoas não sonham porque estão atreladas às leis e tradição e preferem o comando dos poderes totalitários e fechados a mudanças. O que não percebem é  que isso pode acontecer, a qualquer momento pode faltar-lhes o chão  debaixo dos pés. Com certeza, muitos moradores de Manaus experimentaram esta sensação diante do inominável espetáculo de pessoas próximas  morrendo em série, asfixiadas por falta de oxigênio.

     Em momentos como este, mais importante do que a nossa auto-estima como nacionalidade é  nossa coesão  como humanidade. Um exemplo disso testemunhamos nestes dias: enquanto, há menos de um ano, o Governo do Brasil se dispunha a contribuir com soldados, caso Trump invadisse a Venezuela, hoje a Venezuela  envia oxigênio  para salvar vidas brasileiras. Prova-se mais uma vez que a Verdade é  filha do tempo.

     Temos provas abundantes de que sonhos e utopias constituem energias vitalizadoras nos momentos decisivos da História. Se lhes acrescentarmos o Poder  imensurável da Fé, então  acontece o que São Paulo aplica a si mesmo: "quando pareço   fraco aí é que estou forte" 2Cor.12,10.

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

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