Marcelo Barros
Atualmente, no
Brasil, nos ambientes e círculos de pessoas mais conscientes e críticas, em quaisquer
conversas e reflexões sobre o que estamos vivendo, a proposta que sempre volta
como urgência é a necessidade de retomarmos os trabalhos de base. Muitos
recordam com gratidão e saudade as intuições proféticas e o método inovador de
alfabetização de adultos e de conscientização social, realizado pelo grande
Paulo Freire, cujo centenário de nascimento, em 2020, acabamos de celebrar.
Mesmo quem
nasceu depois fala com nostalgia e saudade das experiências de educação popular
no Brasil dos anos 60 e da década de 1970. Na sociedade civil, se multiplicavam
organizações de bairro. Nos movimentos sindicais e partidos, alguns grupos
aprofundavam o diálogo com as bases. Em ambientes cristãos, surgiam comunidades
eclesiais de base e círculos bíblicos. Começavam as pastorais sociais e a
inserção de religiosos/as e leigos/as nos movimentos sociais.
Se olharmos a realidade atual, de algumas
décadas para cá, o mundo mudou muito. A população se tornou mais urbana. As
atuais condições de vida nas periferias tornam a vida mais difícil. A luta pela
sobrevivência é mais exigente absorve as pessoas. Existem belas experiências de
inserção, mas parecem mais raras do que, em outros tempos e têm de tomar outros
formatos. Além disso, nas últimas décadas, Igrejas e sociedades sofreram um
processo de autofechamento que torna mais difícil os trabalhos de educação de
base.
No campo da
Política, em anos mais recentes, além das diversas formas de desestabilização
de governos não alinhados à sua política neoliberal, o Império norte-americano
aprimorou novas táticas de guerra midiática. Coopta governantes. Usa o
judiciário, o parlamento e os meios de comunicação para os seus interesses. No
Brasil, conseguiu inocular na sociedade um retrocesso social e político que, há
alguns anos, ninguém imaginaria possível. Por isso, se vê cada vez mais urgente
retomar o processo de educação popular e o processo de organização das bases,
assim como aprofundar a união das forcas progressistas em torno de um projeto
comum.
É preciso
termos clareza de que, embora o espírito e objetivo dessa construção sejam o
mesmo de outras épocas, os instrumentos e as formas que estes trabalhos precisam
tomar hoje mudaram substancialmente.
O princípio
fundamental de todo trabalho de base é a convicção de que “o povo é e deve ser o sujeito e o
protagonista de sua própria história”. Quando começou o processo dos
fóruns sociais, era costume se propor: “pensar
globalmente, agir localmente”. Com o tempo, cada vez ficou mais claro que
não podemos separar as duas dimensões. Com as comunicações atuais, uma dimensão
interfere profundamente na outra. A intensificação da mineração na Amazônia
depende da bolsa de valores de Pequim e cada luta local tem de levar em conta o
processo internacional.
Um elemento
desafiador mas que continua essencial é que o trabalho de base exige inserção.
Não pode ser feito apenas através de assessorias eventuais, como se fosse “de
fora”. A inserção deve ser organizada, planejada e sistematizada. Visa conhecer
a realidade a partir de dentro e com a comunidade organizar os passos da
caminhada, fazer dos desafios do dia os conteúdos da educação e planejar juntos
as ações a serem realizadas.
Várias
tradições espirituais propõem a iluminação interior como caminho de intimidade
com o Divino. Essa iluminação é o despertar para o amor solidário ou como diz o
Budismo a compaixão. Por isso, a educação tem sempre de partir da realidade
pessoal, unir a pessoa à comunidade e também cuidar do aprimoramento da
consciência de cidadania. Em geral, como o caminho se faz caminhando, é a
própria experiência da ação que ajuda a pessoa e o grupo a se autodescobrir e a
ampliar sua percepção. A este segundo momento da reflexão se segue o terceiro
da ação ali decorrente. Este processo: ação, reflexão, ação se aprimora ao
descortinar um horizonte político, pedagógico, organizativo que seria o
concretizar do que diz o Fórum Social Mundial: “Um novo mundo é necessário. Juntos podemos torná-lo possível”
Marcelo
Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais
recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes,
2019. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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