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sábado, 9 de janeiro de 2021

PRÓSPERO ANO NOVO EM TEMPOS DE CORONAVIRUS


 


FREI ALOÍSIO FRAGOSO

 

     PRÓSPERO ANO NOVO é uma fórmula tradicional, consagrada pelo uso, de se fazer bons votos na passagem de um ano para outro. Neste 2021, no entanto, ela soa meio em falsete. Para ser nova, teria de submeter-se a uma super hemodiálise, a fim de depurar todo sangue infectado em 2020, não só pelo coronavirus, mas por outros vírus não menos letais. Para ser próspero, teria que operar  uma mudança radical em seus conceitos de prosperidade.

     Logo nesta primeira semana do ano, assistimos a um novo "Dia do Fico". O primeiro foi proclamado pelo Imperador Pedro I, no ano de 1822: "se é para o bem de todos e para a felicidade geral da nação, diga ao povo que fico". O de ante-ontem parecia sair das trevas: "o Brasil está quebrado e eu não posso fazer nada. Vão ter que me aguentar até 2022."

     Trata-se de uma declaração diabólica, no sentido etimológico da palavra "diabo" (aquele que gera divisão). De fato, o diabo nunca ruge e muge pensando em provocar rejeição global e sim para dividir a platéia. Uma parte de cidadãos e cidadãs dessa "pátria mãe gentil" deve ter aplaudido o seu capitão: "é disso que precisamos, de um governo fraco, que deixe em nossas mãos as rédeas do poder. Este é o nosso Presidente".

     Já não se escuta o eco do clamor dos primeiros tempos da pandemia: "o mundo nunca mais será o mesmo". Prefere-se dar ouvidos a um outro grito maior em volume e percussão: "nada vai mudar. Tudo voltará a ser como era antes. Não admitimos nenhum perda, nenhuma perda de lucros, nenhuma perda de poderes, nenhuma perda de liberdade."

     Estes surtos de realismo rouba-nos o direito de augurar um próspero ano novo para os companheiros de jornada? Absolutamente. Sem utopias, desabam as forças vitais da História. Precisamos, antes, entender o que se esconde por trás deste embate entre anjos e demônios que parece conduzir a evolução da História humana.

 

     A irracionalidade não é  sempre prova de ignorância ou estupidez. Muitas vezes ela compõe uma estratégia subreptícia dos Sistemas de Poder de índole fascista. Para estes o exercício do pensamento lógico e crítico deve ser atributo exclusivo de uma pequena cúpula. Os milhões de cidadãos, privados do acesso ao Conhecimento, passam a formar um rebanho, um gado, ou outro nome equivalente para designar subserviência e passividade.

     Por outra parte, seus ideólogos sabem que os indivíduos não sobrevivem sem uma mística compensatória. Política e Economia satisfazem algumas necessidades básicas do ser humano, porém deixam em descoberto suas carências espirituais. Onde é então que vão buscar respaldo para preencher o vazio que o consumismo e o materialismo prático deixam nas pessoas? - Na chamada "espiritualidade da prosperidade", a doce teologia adotada pelo fundamentalismo religioso, nos últimos anos. Descrita de maneira nua e crua, a concepção neoliberal do progresso, fundada na concorrência, na competição, com o irrecusável triunfo dos mais fortes, dos mais espertos e o descarte dos fracos e deserdados, soaria como um tiro de misericórdia aos ouvidos de cristãos e não cristãos. É preciso infiltrar-lhe umas doses de espiritualidade.

     A teologia da prosperidade enquadra-se aí como uma luva. Na sua doutrina, a riqueza é manifestação da benção de Deus, como recompensa por méritos adquiridos, e a pobreza, ao contrário,  resulta de uma maldição divina,  de culpa e demérito. Os ricos acertaram bem suas contas com Deus, os pobres falharam redondamente. Foram preguiçosos, viciados, idólatras. Um evangelista da Argentino, americano naturalizado, pregava abertamente "O Terceiro Mundo é pobre porque é idólatra". Os ricos já estão abençoados, como prova a sua fortuna acumulada de bens materiais. E os pobres? A estes cabe descobrir a origem da sua maldição, faltou-lhe a fé? Estão contaminados por algum pecado oculto? Será culpa de um antepassado? Resta-lhe o conforto de recorrer a ritos religiosos, como por exemplo a aspersão de água benta sobre suas carteiras profissionais.

    Trata-se de uma espécie de transação financeira com Deus. Quanto maior a oferta, maior a benção. Um certo pastor, questionado enquanto desfilava em seu carrão de luxo, deu uma resposta esclarecedora: "eu ensino a prosperidade, eu vivo a prosperidade".

 

     Os beneficiados por este tipo de espiritualidade ficam muito bem representados com a seguinte legenda em sua bandeira de frente: "DEUS ACIMA DE TUDO".

(Continua na próxima Reflexão)

 Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor. 

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