FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(26/01/2021)
Em certas situações desafiadoras da vida,
a leitura de um genial pensador abre-nos o entendimento para discernir os
fatos, em suas raízes, causas e efeitos. Em se tratando de questões políticas (na prática, a política envolve
todos os segmentos de uma sociedade), há
um filósofo que permanece sempre atual: Nicolau Maquiavel, autor de
"O Príncipe".
Compreenderemos melhor esta onda de extremismo fascista que
se alastra mundo afora, à luz deste pensamento maquiavélico: "os homens
tem menos escrúpulos de ofender quem se faz amar do que quem se faz temer; pois
o amor depende de uma vinculação moral que eles, sendo maus, rompem, mas o
temor é mantido pelo medo do castigo,
que não abandonamos nunca" ("O Príncipe"). Maquiavel conclui daí
que o Estado se funda no terror e precisa usar as armas do terror.
Governos de tendência totalitária não
escondem sua admiração por Maquiavel nem sua aversão à democracia, ao princípio
de que o poder emana do povo e se legitima pela vontade popular. Meta
prioritária de todos eles é criar um "Pensamento Único", sob a
tutela do Estado.
Dentro desta visão encaixa-se o tema da
xenofobia, do ódio ao diferente.
Uma pandemia, com a dimensão desta que
estamos enfrentando, deixa-os na perplexidade e na impotência, justamente
porque nivela indivíduos e classes sociais, e os nivela "por baixo",
q.d. na dor e na solidão. A dor e solidão de um banqueiro internado na UTI não
são menores do que as de um humilde operário. Nem as de um "pé
rapado" maiores do que as de um "sangue azul".
Frente a essa catástrofe, fascistas e
fundamentalistas buscam saída no negacionismo ("coronavirus é
invenção chinesa"). É a cegueira
dos que precisam não ver para não descambar num inferno astral. Pois não há
maior tortura para eles do que a prova irrefutável de que estão errados. Com
medo das evidências bloqueiam qualquer discussão a nível racional. Ao primeiro
argumento do adversário, reagem com gritos de guerra: "Comunista! Ateu!
"Bolivariano!"
Em duas reflexões anteriores, focamos, como vítimas da
xenofobia social, os povos indígenas. Contudo, para uma compreensão mais ampla,
convém lembrar que eles não são os únicos, há outros até mais próximos de nós.
Por ex. CANUDOS. No ano de 1893, uma grande massa de flagelados nordestinos,
vivendo na mais total escravidão, sob o chicote implacável das elites
oligárquicas dos coronéis, ouviram o beato Antônio Conselheiro pregando
"um outro mundo possivel". Não
tinham eles a mínima chance de libertar-se, sofrer como escravos para
não morrer pela fome era seu destino e o
legado que podiam deixar para seus filhos e filhas. Só lhes restava uma saída
contra o desespero: a Fé messiânica.
Chega-lhes então um novo "Messias" na pessoa de um visionário
cearense de Quixeramobim. O Conselheiro prega valores religiosos de cunho subversivo contra a República recém
proclamada, contra os maus costumes e a ordem estabelecida, em vista de um novo
Reino terrestre e celeste. Seus seguidores fogem para Canudos, no interior da
Bahia e fundam uma aldeia a que chamaram Arraial do Belo Monte.
Aí
começam a fazer a diferença. Em Canudos não se cobravam impostos, não
havia roubo nem opressão, acolhiam-se mães solteiras desamparadas e o produto
do trabalho era distribuído entre os habitantes igualitariamente.
Contra essas hordas de
"comunistas" aliaram-se os poderes supremos da nação: os Fazendeiros,
que perdiam mão-de-obra, a Igreja, que perdia fiéis e via distorções
doutrinárias na pregação do Conselheiro, o Governo, que não tinha controle
sobre eles, e a Imprensa, subserviente e venal.
Depois de 4 expedições fracassadas, 15.000 soldados cercaram o arraial, com ordem
de não fazer prisioneiros. Os habitantes de Canudos foram massacrados até
os últimos: dois homens e
um menino.
Foi a morte de mais uma utopia. Mas não da
UTOPIA. Inspirado na tragédia de Canudos, o famoso romancista peruano Vargas
Llosa escreveu "A Guerra do Fim do Mundo". O título aponta para sua
dimensão simbólica: "ESTA LUTA VAI DURAR ATÉ O FIM DO MUNDO".
A despeito de erros e limites, salvemos as
raízes cristãs de cada utopia, a fim de perpetuá-las com as palavras de Jesus:
"Não tenham medo, eu venci o mundo... e estarei com vocês até o final dos
tempos" cf.Mt.16,1ss e 20,1ss.
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da
Tenda da Fé e escritor.
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