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sábado, 30 de janeiro de 2021

XENOFOBIA EM TEMPOS DE CORONAVIRUS (3)

 

FREI ALOÍSIO FRAGOSO


(26/01/2021)

 

     Em certas situações desafiadoras da vida, a leitura de um genial pensador abre-nos o entendimento para discernir os fatos, em suas raízes, causas e efeitos. Em se tratando de questões  políticas (na prática, a política envolve todos os segmentos de uma sociedade), há  um filósofo que permanece sempre atual: Nicolau Maquiavel, autor de "O Príncipe".

     Compreenderemos  melhor esta onda de extremismo fascista que se alastra mundo afora, à luz deste pensamento maquiavélico: "os homens tem menos escrúpulos de ofender quem se faz amar do que quem se faz temer; pois o amor depende de uma vinculação moral que eles, sendo maus, rompem, mas o temor é  mantido pelo medo do castigo, que não abandonamos nunca" ("O Príncipe"). Maquiavel conclui daí que o Estado se funda no terror e precisa usar as armas do terror.

      Governos de tendência totalitária não escondem sua admiração por Maquiavel nem sua aversão à democracia, ao princípio de que o poder emana do povo e se legitima pela vontade popular. Meta prioritária de todos  eles é  criar um "Pensamento Único", sob a tutela do Estado.

     Dentro desta visão encaixa-se o tema da xenofobia, do ódio ao diferente.

     Uma pandemia, com a dimensão desta que estamos enfrentando, deixa-os na perplexidade e na impotência, justamente porque nivela indivíduos e classes sociais, e os nivela "por baixo", q.d. na dor e na solidão. A dor e solidão de um banqueiro internado na UTI não são menores do que as de um humilde operário. Nem as de um "pé rapado" maiores do que as de um "sangue azul".

     Frente a essa catástrofe, fascistas e fundamentalistas buscam saída no negacionismo ("coronavirus é invenção  chinesa"). É a cegueira dos que precisam não ver para não descambar num inferno astral. Pois não há maior tortura para eles do que a prova irrefutável de que estão errados. Com medo das evidências bloqueiam qualquer discussão a nível racional. Ao primeiro argumento do adversário, reagem com gritos de guerra: "Comunista! Ateu! "Bolivariano!"

     Em duas reflexões  anteriores, focamos, como vítimas da xenofobia social, os povos indígenas. Contudo, para uma compreensão mais ampla, convém lembrar que eles não são os únicos, há outros até mais próximos de nós. Por ex. CANUDOS. No ano de 1893, uma grande massa de flagelados nordestinos, vivendo na mais total escravidão, sob o chicote implacável das elites oligárquicas dos coronéis, ouviram o beato Antônio Conselheiro pregando "um outro mundo possivel". Não  tinham eles a mínima chance de libertar-se, sofrer como escravos para não  morrer pela fome era seu destino e o legado que podiam deixar para seus filhos e filhas. Só lhes restava uma saída contra o desespero: a Fé  messiânica. Chega-lhes então um novo "Messias" na pessoa de um visionário cearense de Quixeramobim. O Conselheiro prega valores religiosos de cunho  subversivo contra a República recém proclamada, contra os maus costumes e a ordem estabelecida, em vista de um novo Reino terrestre e celeste. Seus seguidores fogem para Canudos, no interior da Bahia e fundam uma aldeia a que chamaram Arraial do Belo Monte.

      começam a fazer a diferença. Em Canudos não se cobravam impostos, não havia roubo nem opressão, acolhiam-se mães solteiras desamparadas e o produto do trabalho era distribuído entre os habitantes igualitariamente.

    Contra essas hordas de "comunistas" aliaram-se os poderes supremos da nação: os Fazendeiros, que perdiam mão-de-obra, a Igreja, que perdia fiéis e via distorções doutrinárias na pregação do Conselheiro, o Governo, que não tinha controle sobre eles, e a Imprensa, subserviente e venal.

     Depois de 4 expedições fracassadas,  15.000 soldados cercaram o arraial, com ordem de não fazer prisioneiros. Os habitantes de Canudos foram massacrados até

os últimos: dois homens e um menino.

     Foi a morte de mais uma utopia. Mas não da UTOPIA. Inspirado na tragédia de Canudos, o famoso romancista peruano Vargas Llosa escreveu "A Guerra do Fim do Mundo". O título aponta para sua dimensão simbólica: "ESTA LUTA VAI DURAR ATÉ O FIM DO MUNDO".

     A despeito de erros e limites, salvemos as raízes cristãs de cada utopia, a fim de perpetuá-las com as palavras de Jesus: "Não tenham medo, eu venci o mundo... e estarei com vocês até o final dos tempos" cf.Mt.16,1ss e 20,1ss.

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

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