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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

XENOFOBIA EM TEMPOS DE CORONAVIRUS (4)

 



 

FREI ALOÍSIO FRAGOSO 

O1/02/2021

 

     Quando pensei que esgotara o tema da xenofobia, com uma trilogia de referências  históricas e étnicas, fui alertado pela consciência : e os negros? Não entram nestas memórias? Logo eles, os negros, a raça historicamente mais discriminada e escravizada entre nós brancos, ocidentais? Não  que haja uma interdependência  entre escravidão e negritude. Desde épocas as mais remotas, a escravidão foi um costume global e não distinguia raça e cor. Cá entre nós, no entanto, em nosso histórico de brasileiros, esta conexão é flagrante e permanece no imaginário nacional.

 

     Historiadores e sociólogos tem se debruçado sobre esta questão, particularmente em suas consequências para a formação da identidade brasileira. Eles não chegam a uma interpretação totalizante e única, ao contrário, um dos nossos renomados sociólogos, Jessé de Souza, em oposição  à outros não  menos famosos do passado, afirma que o legado da escravidão "é que define a sociedade brasileira. O que significa que, no Brasil, ainda vigora uma mentalidade escravocrata.

 

     Em um ponto eles parecem concordar: a influência da cultura negra no Brasil plantou raízes muito mais profundas e duradouras do que a indígena ou de movimentos messiânicos populares, como Canudos.

 

     Em outros países, como os Estados Unidos, embora legalmente extinta, ela persiste em forma de segregação. Um sistema separatista, com o amparo das leis, boicotava a integração  de negros na rotina da vida social dos brancos.

 

    Uma de suas consequências foi o triste espetáculo de negros talentosos que, pra crescer e brilhar, tinham que trocar sua identidade original pela clonagem de costumes e conduta branca.

 

     Outros, abertos à militância, optaram pela desobediência civil. Foi amplamente divulgada a cena de uma militante negra, Rosa Barks, em 1955. Ela se negou a ceder seu assento a um branco em um transporte público. Com este simples gesto acendeu um estopim de revolta.

 

     Cá entre nós, o Sr. Vice-Presidente da República achou-se um intelectual ao expor de público o seu preconceito: "O Brasil herdou a indolência do índio e a malandragem do negro". (Fosse eu objeto de exclusão e desprezo, não hesitaria em usar as armas da indolência e malandragem para debochar do mundo em volta).

 

     Um dia tive a sorte de conhecer as belas e  altivas lhamas do Peru, e ouvir este relato dos nativos: elas trabalham de graça, com presteza e fidelidade, porém jamais se deixam amarrar ou maltratar. Se alguém se atreve a bater  nelas, insultar ou ameaçar, atiram-se no chão, erguem para os céus  seus belos olhos e suavemente morrem. Se relembrarmos o último capítulo da história de Zumbi dos Palmares, veremos figuras humanas imitando as lhamas do Peru.

 

     Leiamos, a seguir, palavras do apóstolo Paulo e teremos razões   para animar nossa  consciência cristã nesta luta:"Fostes chamados por Cristo para a liberdade.Deveis permanecer livres e nunca mais submeter-vos ao

 jugo da escravidão" Gal.5, 1-13.

     

     Finalmente, peço licença para homenagear heróis e vítimas destas lutas libertárias, com três breves poemas, que escrevi em momentos de "dolce far niente":

 

      500 ANOS

 

 Invasores concelebram a invasão:

Tupac-Amaru, Montezuma, Atauhalpa,

Astecas, Incas, Maias, Guaranis,

São banidos por decreto e traições

 

Do direito aos ritos ancestrais

Sobre montes de pedras  preciosas,

E a chamar de Pachamama estas terras

Onde guardam relíquias de seus deuses

 

E segredos de pássaros que sonham.

"Que aportem as bandeiras e as cruzes,

As espadas, os fuzis e os caubóis"

 

O Império e a Fé se congratulam

Pela morte das tribos indomáveis

E o batismo compulsório das demais.

 

        CANUDOS

 

Mil oitocentos e noventa e sete:

É a troca da vida pela morte,

É o éden de Antônio Conselheiro,

É o sonho mais forte do que a morte,

 

É a espera da chegada do Divino,

É o Sul de costas para o norte,

São arbustos raquíticos sem sombra,

É a lei do mais fraco e do mais forte.

 

É o assédio de trinta batalhões,

É o grito de loucos contra surdos,

São punhais a combater canhões.

 

É da força outra vez o desatino,

É a aldeia sagrada de Canudos,

São os últimos: três homens e um menino.

 

         SAMBA

 

Mil novecentos e trinta e nove:

Nascido de outra raça,  raça escura,

O samba não tem dono nem virtude,

Mas canta a boêmia, a vida impura

 

Dos párias, perseguidos, marginais,

Dos loucos dançarinos sem censura,

Que tiram dos altares ancestrais

Os deuses sonolentos da cultura.

 

O samba se traduz em fantasia,

Em novos populares carnavais,

Em pernas que comandam a alegria

 

De um fogo que, aceso, não tem cor

De raças que, na pista, reinam iguais, 

De uma gente que, sambando, esquecem a dor.

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

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