Maria Clara
Lucchetti Bingemer
A
palavra ecumenismo encontra suas raízes na cultura grega e significa: mundo
habitado. O conceito não pretendia avançar em questões demográficas ou
estatísticas, mas carregava o belo sentido de povo civilizado, de cultura
aberta em termos não apenas geográficos como também civilizacionais. O
Cristianismo nascente adotou a ideia e o conceito, fazendo dos mesmos um ideal
e uma missão: fazer habitável a obra de Deus, que é toda a criação, promovendo
a unidade e a concórdia.
Desde
muito cedo, a Igreja percebeu não apenas a necessidade dessa unidade como
também o enorme desafio que significava construí-la a partir e por meio da
diversidade. Os Concílios da Antiguidade procuraram superar propostas e
doutrinas que dividiam a Igreja, e chegar a consensos que pudessem uni-la em
termos de conteúdos da fé, para que fossem aceitos e praticados por todos os cristãos.
A
história avançou e houve esforços de unidade, mas também ataques. Houve
guerras de religião em que se matava em nome de Deus e empreendimento
ideológicos e políticos unilaterais, nos quais tristemente cristãos chegaram a
considerar prestar um serviço a Deus eliminando os que professavam religiões
diferentes. E houve um momento em que os próprios cristãos se dividiram,
permanecendo em campos opostos e considerando hereges e apóstatas os que
entendiam e viviam a fé cristã em outros termos.
A
partir dessa divisão entre cristãos surgiu o movimento ecumênico moderno, que
fomentou o diálogo e a cooperação entre os cristãos, para fazer frente à
evangelização em um mundo sempre mais secularizado e mais plural. O ecumenismo
tornou-se uma iniciativa entre diversas denominações cristãs, na busca do
diálogo e da unidade, de superar divergências e divisões históricas, culturais
e mesmo doutrinais. Para isso, houve muito trabalho para aceitação da
diversidade entre as igrejas já que todas buscam encontrar em Cristo seu ponto
de unidade. Professam um só Credo, recebem um só Batismo, e veem cada vez
com maior clareza que estar divididos é um escândalo e um
contratestemunho.
Por
parte da Igreja Católica, o Concílio Vaticano II é um marco por assumir para
dentro do magistério oficial da Igreja Católica Romana o desejo e o compromisso
de aproximar-se sempre mais dos irmãos que adoram o mesmo Deus e reconhecem
como Senhor o mesmo Cristo. Porém, mais longe ainda foi o Concílio, acompanhando
um movimento que já se fazia sentir no campo religioso como um todo e na
sociedade. Compreendeu que a caminhada ecumênica implica passar mesmo as
fronteiras do cristianismo como tal e abraçar as outras religiões, que nomeiam
Deus de forma diferente e organizam sua fé de outro modo.
O
ecumenismo, portanto, nestas quase seis décadas que nos separam do Concílio
Vaticano II, se alarga sempre mais, convertendo-se progressivamente em um macro
ecumenismo. Com isso nada mais faz do que seguir fielmente o que o texto
do documento mais importante do evento conciliar, a Constituição Gaudium et
Spes diz: a Igreja quer ser perita em humanidade e não deseja que nada de
humano lhe seja estranho. Portanto, para fazer um mundo habitado pelos
filhos de Deus é preciso ampliar o horizonte além mesmo das fronteiras
institucionais e religiosas e ir ao ser humano.
A
Campanha da Fraternidade, lançada todos os anos pela CNBB durante o período da
Quaresma, traz este ano uma bela novidade. Não apenas seu tema é o
ecumenismo pensado amplamente, em termos de uma inclusão universal que conduza
toda a humanidade à paz verdadeira cuja fonte é Cristo. Mas ela é
ecumênica desde as origens. Seu texto base foi pensado e preparado por
uma equipe ecumênica, sob a responsabilidade do Conic (Conselho Nacional de
Igrejas Cristãs).
O
sopro ecumênico, que busca a unidade, o diálogo e o amor, se fazem sentir ao
longo de todo o texto e de suas propostas que soam como convite amoroso aos
fiéis cristãos que desejam deixar para trás a divisão e construir a
unidade. Uma unidade plena, universal, que só pode dar-se através da
integração das diferenças, enriquecendo-se do que todos e cada um podem
trazer.
A
isso aspira a Campanha da Fraternidade. Só pode haver fraternidade se for
universal. E não à toa a palavra “católico” significa universal. A
CNBB testemunha luminosamente seu desejo de ser plenamente universal - ou seja,
católica – abrindo sua campanha, que acontece no momento de mais densa
convergência de fé e testemunho, a todos os irmãos que comungam da fé em Jesus
Cristo.
A CF
2021 em tempos de tanta divisão dá uma decisiva contribuição ao diálogo e uma
real chance à paz. O lema da Campanha, tomado da epístola aos Efésios,
diz: “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade”. Superar
as divisões e buscar a unidade com coragem e alegria, eis a conversão pedida a
todo discípulo e discípula de Jesus Cristo nesta Quaresma.
A teóloga é
autora de “Santidade:chamado à humanidade” (Editora Paulinas), entre outros
livros.
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