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sábado, 13 de fevereiro de 2021

"MUDANÇA DE VIDA EM TEMPOS DE CORONAVIRUS"(2)

 FREI ALOÍSIO FRAGOSO


10/02/2021

 

     Nossa última reflexão deixou suspensa no ar uma pergunta endereçada aos cristãos conscientes de seu papel neste mundo controverso: haverá nele espaço confiável onde possa medrar nossa esperança? Ou temos que criar um outro mundo paralelo e aí nos estabelecer?

     Nossa resposta tem como ponto de partida algo que Sto. Agostinho escreveu, ao relembrar sua tardia conversão: "Tarde Te conheci, oh Beleza tão antiga e sempre nova, tarde Te  conheci. Tu estavas em mim e eu, fora de mim, Te procurava". Nossa resposta, portanto, não procede de lógica, de cálculos, de filosofias. Ela é um ato de Fé. Ela já está dentro de nós antes de acontecer, e, a partir de nós, pode ser gerada. (São Paulo sugere que somos responsáveis por esta gestação quando escreve: "O mundo está grávido de Deus"). No entanto ela se comprova  em fatos incessantes, vividos e partilhados historicamente, nestes mais de  2000 anos de Cristianismo.

     Caso eu tivesse de filmar um documentário sobre a História da Humanidade, lhe daria um título plagiado de Érico Veríssimo: "O Tempo e o Vento". De fato, homens e mulheres, habitantes deste planeta, jamais estacionaram em algum tempo da História, jamais atingiram uma espécie de plenitude, um "non plus ultra" (não mais além), o gozo de uma felicidade que lhes parecesse plena e definitiva.

     Nas páginas da Bíblia, percebe-se como, dia a dia, século a século, milênio a milênio, o mundo vai se desviando do Projeto original do Criador. Aquele lance inicial, "Deus viu tudo o que tinha feito e tudo era muito bom" Gen.1, 31, perde sua validade. O que era bom de início, como semente geradora de outras coisas boas, passa a gerar também coisas más. A despeito disso, nunca se desfez a utopia primordial da Criação. Do que se conclui que nossa História é movida por um "Sopro Divino", um Vento impetuoso que a Bíblia chama "ruah" e se traduz por Espírito Superior. Somos conduzidos pelo Tempo e o Vento.

      O Covid 19 veio fazer-nos algumas sérias advertências. Que devemos estar em alerta contra a tentação do Shangri-lá. Ele arrancou-nos do colo da Mãe Terra, onde muitos se assentavam comodamente para mamar e mamar e mamar, indiferentes ao cansaço da mãe e ao seu desejo materno de oferecer o peito fértil aos outros filhos e filhas, com os mesmos direitos e carências. (Bem feito! Gritou o Universo.)

     Que não devemos medir o tempo da História pelo breve percurso da nossa experiência. Só por alguns anos o mundo está em nossas mãos, e nossa tarefa é a mesma de nossos antepassados, que será também a dos nossos descendentes: apressar

a consumação do Plano do Criador.

     Nestes últimos anos, surgiu das trevas do tempo um monstro mais mortífero do que o coronavírus, inimigo visceral de toda utopia, um movimento neo-nazista, querendo desenterrar o fantasma de uma "raça superior" para o comando dos povos. Seus ataques concentram-se nas redes sociais, em Centros globais produtores de fake-news, com capacidade de espalhar, em segundos, milhões e milhões de mentiras que, de tão repetidas, viram uma nova versão da verdade, na mente de milhões de pessoas. Não nos amedrontemos. Quando a mentira se avoluma e se espalha  imensuravelnente, e se  universaliza, ela atinge um ponto de saturação auto-destrutivo. Atinge uma situação-limite em que não é mais possível fazer qualquer distinção entre verdade e mentira. Isso implica na total  destruição da linguagem humana, no fim de qualquer possibilidade de comunicação entre criaturas racionais. Acontece que nenhum Sistema, nem o Capitalismo, pode sobreviver sem isso, sem uma confiabilidade

funcional. Daí as empresas poderosas capitalistas já começam a cortar os recursos técnicos destes grupos fascistas. A derrota recente de Trump (inconcebível para ele e os seus) é uma prova deste limite.

      É  em momentos assim que nós cristãos somos convocados por outras instâncias da sociedade. É a hora de entrarmos com nossos espaços de Fé, espaços que Dom Helder chamava de "minorias abraâmicas", a Antiga Aliança chamava de "resto de Israel", Jesus chamava de "pequeno rebanho". Jesus mesmo nos adverte para a inutilidade de usarmos apenas as armas convencionais, a bondade convencional, a piedade convencional, as palavras convencionais, as beneficências convencionais. Ele diz: "Não adianta remendar roupa velha com pano novo nem por vinhos novos em odres velhos" Mt.9, 14-17. O cristão não é batizado para ser uma boa pessoa (isso até um ateu pode vir a ser) mas sim, para ser uma boa pessoa que assume a construção do Reino de Deus.

     Se queremos contribuir com atitudes capazes de convencer e renovar as estruturas deste mundo, temos que manter a paciência histórica, a consciência  de que plantamos para outros colherem no futuro, de admitir a necessidade de grandes sacrifícios e até do sangue de novos mártires. E, contra toda adversidade, gravar na alma a legenda do evangelista S.João: "A vitória que vence o mundo é a nossa Fé".

1Jo.5,4.

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.


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