FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(24/02/2021)
A julgar pela reação de alguns dos
que leram nossa última Reflexão, o
assunto do medo gerou outro medo: o de tornar medrosas outras pessoas.
"Cuidado, tem muita gente com muito medo e uma palavra sua pode ter efeito
positivo ou negativo em seu espírito", alertou uma leitora.
Eu fora provocado por um sonho noturno,
sonho fantasmagórico, que repercutiu na realidade do dia seguinte e ainda dos
dias seguintes, e se projetou para os dias futuros.
Não sei o que diria Freud, mas sei bem o
que eu lhe perguntaria: "Mestre, o medo é uma deficiência ou um poder da
natureza?". Não será ele um estado de alerta, em favor da sobrevivência
humana? Se eu tivesse de escolher, numa situação de grande perigo, entre a
companhia de alguém que tem medo ou de outro alguém que o desconhece por
completo, optaria pelo primeiro; penso que este último me exporia a riscos
extremos de vida, sem medir consequências. Admiro as pessoas corajosas, porém não as vejo na figura
de quem despreza o medo e sim de quem o enfrenta com destemor e lucidez.
Por isso, gostaria de fazer alguns
acréscimos à primeira narrativa sobre
aquele susto da noite. A sensação que produziu em mim não foi patológica, não
me causou fobia, não acelerou meus batimentos cardíacos, muito menos cancelou
meus planos de luta, adiados por conta do coronavirus.
Agradeço ao cérebro, meu mentor, a
liberação de adrenalinas, e a estas, o grito de alerta frente aos perigos
reais. Só não admito que queiram antecipar o canto de cisne das minhas
esperanças e utopias.
Os dados da ciência são úteis e
necessários enquanto marcam nossos passos no caminho. Daí em diante, temos de
recorrer a outras Forças Superiores.
Voltemos, pois, a enfocar os acontecimentos
que estamos revivendo neste tempo da Quaresma. Na Reflexão anterior, os
deixamos em suspense, no alto do Calvário, com uma pergunta espantosa: por que
o Pai do Céu não deteve a mão criminosa que abateu seu Filho na cruz? Por que o
Justo foi abandonado nas mãos dos pecadores, até o último momento?
A Fé reconhece no sangue de Cristo a
nossa Redenção. Contudo, seria um sacrilégio imaginar esta Redenção como uma
tragédia sado-masoquista: um Deus que, para nos redimir, só se satisfaz com o
sangue do Filho, e um Filho que se entrega passivamente à morte, como se
houvesse uma troca de perdão por sangue, sangue por perdão. Não. Deus não
mandou Jesus ao mundo para morrer, mandou-o para anunciar seu Plano de
Salvação. Jesus abraça a vontade do Pai em todas as suas consequências, e a última delas foi a morte,
por razões trágicas e práticas: sua pregação conflitava com os interesses dos
poderes dominantes ("se este homem continuar falando, em breve todo povo o seguirá; é preciso que ele morra"
cfr.Jo.11,45-54)
O Sacrifício da Cruz foi,
pois, a prova suprema da fidelidade do
Filho ao Pai (e a nós).
O que nos diz a doutrina, desde então? -
S. Paulo responde: "Jesus ofereceu um um Sacrifício único por nossos
pecados, de uma vez por todas. Desde então, não há mais necessidade de
sacrifícios cruentos, porque o sangue Dele adquiriu uma redenção eterna"
Heb.9,12. Em outras palavras, a Vitória já foi selada com o aval de Deus. O que
não está estabelecido é o tempo de
espera até completarmos esta Obra de Deus com a nossa parte.
O Filho de Deus teve imitadores ao longo
da História, irmãs e irmãos nossos que também levaram sua fidelidade até as
últimas consequências e acabaram na forca, na fogueira, na guilhotina, no
pilotão de fuzilamento. Nesta pandemia
não foram poucos os profissionais de saúde que pagaram com a própria vida os
cuidados com a vida dos outros.
Todos estes mártires provam que haverá
sempre derramamento de sangue na conquista da verdadeira Paz. Seu testemunho
virou semente geradora de novos combatentes. Isso não significa que devamos
todos ter, forçosamente, o mesmo destino. Eles nos estimulam a perseverar,
administrando nossos medos com base não em simples cálculos humanos, mas sim
nas energias da Fé acumuladas em séculos de História, segundo estas palavras de
S. Paulo: "Até na tribulação devemos nos gloriar, sabendo que a tribulação
produz a perseverança, a perseverança produz a fidelidade, a fidelidade,
comprovada, produz a esperança. E a esperança não nos engana, porque o amor de
Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito que nos foi dado" Rom.
5,3-5. Amém.
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da
Tenda da Fé e escritor.
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