Marcelo Barros
Apesar das vacinas que chegam mais lentamente do que seria
necessário, este momento do mundo ainda não permite que o povo se reúna para o
Carnaval, como a maioria desejaria. No entanto, em muitos países do mundo, este
próximo domingo, 14 de fevereiro, é um dia importante para as pessoas
apaixonadas e para os amigos. O motivo é que, além de ser, neste ano, o domingo
do Carnaval, é bom sabermos que, no antigo calendário católico, nesta data, se
fazia memória de São Valentim.
Trata-se de uma figura do Cristianismo primitivo. Conforme a
lenda, no século III, para que os jovens pudessem permanecer disponíveis para
ir à guerra, o imperador proibiu que, por um tempo, a Igreja abençoasse
casamentos. No entanto, o bispo Valentim os celebrava escondidos. Um dia, isso
foi descoberto. O bispo foi preso e condenado à morte. Mesmo na prisão, continuou
a abençoar o amor dos jovens. Por isso, em muitos países, até hoje, o
"Valentine days" é o dia dos namorados.
Outra lenda antiga fala de um cristão chamado Valentim que
se entregou aos guardas do imperador para ser preso e morto no lugar de um
amigo, denunciado como cristão. Baseado nisso, a ONU considera o 14 de
fevereiro como "o dia da
amizade".
Hoje, vivemos mergulhados em um mundo virtual, no qual as
redes sociais nos classificam em grupos. Com apenas um clique fazemos um amigo
virtual. No entanto, no mundo real, não pode ser assim.
Há alguns anos, um militante de direitos humanos visitava
uma aldeia dos índios Bororo, no Mato Grosso. Interessado em ouvir as histórias
dos antigos daquele povo, conversava com um dos mais velhos da aldeia. O velho
índio se mostrou muito aberto. Mas, quando o outro perguntou se poderia ir à
sua casa, o índio respondeu:
- Quando formos amigos, convido você à minha casa.
Isso pode parecer rude, mas é importante para nos darmos
conta de como é verdade o que Saint Exupery escreveu: “Amigos não se encontram como produtos em lojas. Não existem lojas de
amigos. Para que as pessoas se tornem amigas, precisam de tempo e de gratuidade”.
Atualmente, a maioria da juventude continua repetindo a
palavra de ordem dos anos 70: "Faça
o amor, não faça a guerra". E, para muitas pessoas, as questões
afetivas ainda parecem ser o único eixo de vida que interessa. Até hoje, em
forma de novelas, a televisão oferece o amor romântico como pão e circo para as
carências da massa.
A partir da 4ª feira de cinzas, 17 de fevereiro, oito
Igrejas e grupos ligados ao Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC)
iniciam a Campanha da Fraternidade 2021 com o tema “Fraternidade e Diálogo, a serviço da paz e da justiça”.
De fato, um grande desafio para os nossos tempos é valorizar
as relações pessoais e aprofundá-las, ao mesmo tempo que construir o que o papa
Francisco em sua recente encíclica Fratelli Tutti chama de “amizade social”.
Alguns grupos de juventude falam em “socializar o amor”.
Na América Latina, temos aprendido que as lutas políticas se
tornam superficiais e até inúteis se não procedem do amor e não são permanentemente
embebidas de amorosidade. Nesses dias difíceis que atravessamos, em um Brasil
incendiado por ondas de violência e de ódio, qualquer brisa de amor
refrigera.
Embora tome formas e expressões diferentes, qualquer forma
de amor tem o mesmo DNA. Seja amor de mãe, seja de irmãos, de namorados ou de
amigos, todo amor vem da mesma fonte. Trata-se da inteligência amorosa,
presente no universo e atuante nas pessoas e em todo ser vivo. As religiões e
tradições espirituais a chamam de Deus. A tradição judaica ensina que ao criar
o mundo, a luz divina se espalhou como chamas de amor por todo o universo. Ao
receberem essas faíscas do Amor maior, fonte de todo amor, todos os seres vivos
foram divinizados. Entre eles, cada ser humano é chamado a cultivar e desenvolver
essa chama para que ela não se apague. As relações familiares, a participação
comunitária e os relacionamentos de amizade e de amor conjugal são instrumentos
para a realização plena dessa vocação para o amor.
O amor conjugal tem uma dimensão mais exclusiva. O amor de
amizade é mais aberto, gratuito e incondicional. Por isso, místicos de
diferentes religiões consideram a amizade como o sinal por excelência do amor
divino no mundo. Amar é nossa vocação. Todos os seres humanos são chamados a
viver esse caminho. Somos felizes quando nos sentimos nele e por ele nos
deixamos conduzir.
Todas as formas de amor são assumidas pelo Espírito Divino
que se manifesta em todo e qualquer amor humano. No entanto, o Espírito de Amor
nos chama a sermos cada vez capazes de um amor gratuito e mais generoso.
Trata-se de amar até quem não ama. ,É levar amor onde não há amor, de modo
incondicional e sem limites. Como afirma a carta apostólica: "Deus é amor. Quem vive o amor permanece em
Deus e Deus está nessa pessoa" (1Jo 4, 16).
Marcelo
Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais
recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes,
2019. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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