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domingo, 21 de fevereiro de 2021

"O MEDO EM TEMPOS DE CORONAVIRUS"

 FREI ALOÍSIO FRAGOSO


(19/02/2021)

 

     Esta madrugada acordei em sobressalto, invadido por uma sensação incomum de medo. Comumente o medo tem sido companheiro de qualquer pessoa disposta a encarar os atuais acontecimentos desta "pátria amada Brasil". O medo sadio pode ser bom conselheiro contra imprudências e temeridades. Mas não era o caso, o meu era um medo fantasmagórico, frankensteiniano. Era preciso pesquisar a sua origem, considerando o que diz o ditado popular, "cobra se mata pela cabeça". Não foi difícil encontrar, logo pela manhã, a cabeça da cobra. Antes de deitar, noite passada, eu escutara o discurso de uma figura proeminente, agregada à cúpula política da nação. Fui para cama assustado. Sim, assustado com algo que só é visível ao olhar crônico dos prevenidos. Ando prevenido ultimamente.

     Aquele tom de voz subterrâneo, aquelas espáduas de bat-man, aquele riso sem riso, só desdém, aquele olhar de ray-ban, aquela segurança computadorizada, tudo isso me assustou como se ouvisse outra versão do salmo 26: "ainda que um Povo inteiro marche contra mim, nenhum mal temerei porque comigo estão as Forças Armadas".

     Veio-me à cabeça os anos de chumbo da ditadura militar. Centenas de vidas jovens ceifadas na floração de seus sonhos. Milhares de árvores, onde cresciam esperanças, cortadas pela raiz, sob o pretexto de arrancar alguns frutos indesejados.

     O meu medo tinha uma história, tinha presente, passado e futuro. Me pus a pensar no futuro.  E se? E se um  dia tivermos de ouvir uma sentença de morte, que absolve todos os ricos da terra e é o sonho dos neo-liberais: "os pobres são os únicos culpados pela sua pobreza". E se um dia for lido publicamente o atestado de óbito da "Declaração Universal dos Direitos Humanos"? E se...Etc? Etc? Etc?

     Reafirmo: são perguntas fantasmagóricas, não pretendo dar-lhes resposta neste momento. Sinto, contudo, que é preciso prevenir-me. Temo certas sequelas físicas e psíquicas, sobretudo a paralisia espiritual.

 

     Então decidi abrir os arquivos da Fé. Procurar passagens do Evangelho onde Jesus revelou seus medos ou nós podemos adivinhá-los nas entrelinhas. De fato, um dia Ele temeu as multidões. Extasiadas com o milagre da multiplicação dos pães, quiseram levá-lo à força para Jerusalém e fazê-lo Rei. Ele escapou e foi  orar sozinho, em um lugar deserto. Outro dia, reunido com os seus discípulos, viram-se cercados por gente vinda de todas as partes, que se amontoou em volta deles até quase sufocá-los. Jesus retirou seus discípulos para um lugar distante e os convidou a descansar e refazer as forças. Em uma outra ocasião de aglomeração, foram seus parentes que ficaram amedrontados e o pressionaram a deixar aquela vida, pois parecia um louco, "estava fora de si" (cfr. Mc.3,21). Jesus prosseguiu calmamente sua missão. Quando, de outra feita, agredido e enxotado da aldeia de Nazaré, onde fora criado, Ele partiu dizendo: "nenhum profeta é bem recebido em sua própria terra". 

     Chegaram, por fim, os dias da sua Paixão. Jesus caminhava entre a Galiléia e a Samaria, receoso de entrar em Jerusalém. Para superar este medo, teve que agredir seu fiel amigo Pedro, quando este o aconselhou a desistir ("vade retro, satana!" Retira-te, satanás!).

     Nada, porém, se compara ao seu tormento no Horto das Oliveiras. "Pai, afasta de mim este cálice!" clamou ele entre gotas de suor e sangue.

     Ali estavam as lições do Senhor, para encarar o medo sem fugir da luta: orar sempre, descansar a fim de refazer as forças, jamais isolar-se, evitar confronto com quem "tem olhos mas não quer ver", endurecer com os tíbios, prosseguir na missão sem perder a calma nem o foco.

     Contudo não foi o bastante. Não há como calar a última e terrível pergunta: e o desfecho? E o clímax da Cruz? E o grito desesperado "Meu Deus, por que me abandonaste?" E a morte cruenta do Justo?

    Precisamos de mais espaço e tempo para encontrar uma resposta. Voltaremos ao assunto, pois não me sinto no direito de falar de algum medo que não seja portador de Esperança.

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

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