FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(19/02/2021)
Esta
madrugada acordei em sobressalto, invadido por uma sensação incomum de medo.
Comumente o medo tem sido companheiro de qualquer pessoa disposta a encarar os
atuais acontecimentos desta "pátria amada Brasil". O medo sadio pode
ser bom conselheiro contra imprudências e temeridades. Mas não era o caso, o
meu era um medo fantasmagórico, frankensteiniano. Era preciso pesquisar a sua
origem, considerando o que diz o ditado popular, "cobra se mata pela
cabeça". Não foi difícil encontrar, logo pela manhã, a cabeça da cobra.
Antes de deitar, noite passada, eu escutara o discurso de uma figura
proeminente, agregada à cúpula política da nação. Fui para cama assustado. Sim,
assustado com algo que só é visível ao olhar crônico dos prevenidos. Ando
prevenido ultimamente.
Aquele tom de voz subterrâneo, aquelas
espáduas de bat-man, aquele riso sem riso, só desdém, aquele olhar de ray-ban,
aquela segurança computadorizada, tudo isso me assustou como se ouvisse outra
versão do salmo 26: "ainda que um Povo inteiro marche contra mim, nenhum
mal temerei porque comigo estão as Forças Armadas".
Veio-me à cabeça os anos de chumbo da
ditadura militar. Centenas de vidas jovens ceifadas na floração de seus sonhos.
Milhares de árvores, onde cresciam esperanças, cortadas pela raiz, sob o
pretexto de arrancar alguns frutos indesejados.
O meu medo tinha uma história, tinha
presente, passado e futuro. Me pus a pensar no futuro. E se? E se um
dia tivermos de ouvir uma sentença de morte, que absolve todos os ricos
da terra e é o sonho dos neo-liberais: "os pobres são os únicos culpados
pela sua pobreza". E se um dia for lido publicamente o atestado de óbito
da "Declaração Universal dos Direitos Humanos"? E se...Etc? Etc? Etc?
Reafirmo: são perguntas fantasmagóricas,
não pretendo dar-lhes resposta neste momento. Sinto, contudo, que é preciso
prevenir-me. Temo certas sequelas físicas e psíquicas, sobretudo a paralisia
espiritual.
Então decidi abrir os arquivos da Fé.
Procurar passagens do Evangelho onde Jesus revelou seus medos ou nós podemos
adivinhá-los nas entrelinhas. De fato, um dia Ele temeu as multidões.
Extasiadas com o milagre da multiplicação dos pães, quiseram levá-lo à força
para Jerusalém e fazê-lo Rei. Ele escapou e foi
orar sozinho, em um lugar deserto. Outro dia, reunido com os seus
discípulos, viram-se cercados por gente vinda de todas as partes, que se
amontoou em volta deles até quase sufocá-los. Jesus retirou seus discípulos
para um lugar distante e os convidou a descansar e refazer as forças. Em uma
outra ocasião de aglomeração, foram seus parentes que ficaram amedrontados e o
pressionaram a deixar aquela vida, pois parecia um louco, "estava fora de
si" (cfr. Mc.3,21). Jesus prosseguiu calmamente sua missão. Quando, de
outra feita, agredido e enxotado da aldeia de Nazaré, onde fora criado, Ele partiu
dizendo: "nenhum profeta é bem recebido em sua própria terra".
Chegaram, por fim, os dias da sua Paixão.
Jesus caminhava entre a Galiléia e a Samaria, receoso de entrar em Jerusalém.
Para superar este medo, teve que agredir seu fiel amigo Pedro, quando este o
aconselhou a desistir ("vade retro, satana!" Retira-te, satanás!).
Nada, porém, se compara ao seu tormento no
Horto das Oliveiras. "Pai, afasta de mim este cálice!" clamou ele
entre gotas de suor e sangue.
Ali estavam as lições do Senhor, para
encarar o medo sem fugir da luta: orar sempre, descansar a fim de refazer as
forças, jamais isolar-se, evitar confronto com quem "tem olhos mas não
quer ver", endurecer com os tíbios, prosseguir na missão sem perder a
calma nem o foco.
Contudo não foi o bastante. Não há como
calar a última e terrível pergunta: e o desfecho? E o clímax da Cruz? E o grito
desesperado "Meu Deus, por que me abandonaste?" E a morte cruenta do
Justo?
Precisamos de mais espaço e tempo para
encontrar uma resposta. Voltaremos ao assunto, pois não me sinto no direito de
falar de algum medo que não seja portador de Esperança.
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da
Tenda da Fé e escritor.
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