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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

"O PECADO EM TEMPOS DE CORONAVIRUS"

 FREI ALOÍSIO FRAGOSO


(16/02/2021)

 

     "Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra" Jo.8,1-11.  Esta sentença de Jesus contra os que se apressavam em apedrejar a mulher adúltera, permanece para sempre como um pêndulo na consciência humana. "Então os acusadores foram-se retirando, deixando cair as pedras da mão, a começar pelos mais velhos." Atentemos para este detalhe - "a começar pelos mais velhos" - e tiremos as conclusões.

     Pode-se dar nomes diversos a isso que as religiões chamam de pecado, mas uma coisa é irrefutável: o sentimento de culpa que dele decorre. Sentimento este que muitos não suportariam se não fosse o seu antídoto: a compaixão. O conteúdo geral da Bíblia poderia ter dois títulos complementares: "A  História das Infidelidades Humanas" e "A História da Misericórdia Divina", ficando claro que não se trata de um confronto maniqueísta do bem e do mal, mas sim de uma Luz Superior penetrando em meio às trevas, sem extingui-las, mas conduzindo a Obra da Criação ao êxito final.

          O evangelista S. João  expressa esta compaixão de maneira sublime e consoladora: "filhinho, se o teu coração te acusar perante Deus, tranquiliza o teu coração, pois Deus é maior do que o teu coração." 1Jo.3,20.

 

     O sentimento de compaixão não é monopólio das religiões, é  um patrimônio da natureza humana, como se evidencia nesta confissão de um dos maiores filósofos do século passado: "três paixões simples governaram minha vida: a necessidade de amor, a sede de conhecimento e a dolorosa comunhão com todos aqueles que sofrem" (Bertrand Russel, filósofo ateu). Podemos definir compaixão,  neste  âmbito geral, como o desejo profundo de ver o outro aliviado de seus sofrimentos.

 

     O sentimento de culpa é tão marcante que, muitas vezes, se converte em uma necessidade compulsiva de encontrar culpados. Desde o começo da pandemia do coronavírus, os que pretenderam isentar-se de responsabilidade, sobretudo a imposta pelo exercício de função pública, logo correram em busca de culpados. Encontraram um bem distante daqui: a China. Isso mesmo, "a China criou o maldito virus com a intenção de solapar a economia ocidental". Como aconteceu a surpresa da grande vilã vir em socorro de seus delatores, estes passaram a negar as evidências e encenar uns gestos tardios para remendar sua gravíssima omissão.

     Acostumamo-nos a dar ao pecado nomes individualizados (isso é pecado, aquilo é pecado) e perdemos a consciência de que podemos viver e nos instalar em um estado de pecado, em situações que, sem nos dar conta disso, vão gerando e reproduzindo uma infinidade de males. Quando um regime é maléfico em sua natureza (é o caso do regime capitalista com o vírus do individualismo infiltrado no seu DNA), ele nos torna vítimas e carrascos de uma sociedade desumana. Aí instala-se um estado de pecado.

     Estamos iniciando na Igreja Católica o tempo penitencial da quaresma. Por isso esta reflexão é endereçada de modo particular a nós cristãos. Temos sido responsáveis por um sem-número de mal-entendidos, no que diz respeito ao pecado.

Muitos só enxergam os pecados insignificantes, relegando os grandes e devastadores pecados. Nisso são movidos pelo medo de se reconhecerem gravemente pecadores, de se verem como parte integrante de um organismo gravemente  contaminado na sua raiz.

     Há também os que acabam caindo numa espécie de "desespero" moral, na tentação de abandonar a fé, como único meio de livrar a consciência do insuportável remorso, sob a vigilância onipresente de Deus.

    Daí espalhou-se uma espiritualidade sombria empenhada em boicotar  os prazeres desta vida em troca do gozo celestial.

     Na Bíblia quase sempre o pecado está associado não à condenação e sim à misericórdia. Com a consciência do pecado, abrimo-nos para a dádiva da Graça, por meio do arrependimento e da conversão.

     O mistério da Fé nos leva a encenar um comovente diálogo entre dois dos maiores gênios do Cristianismo:

     - "Todas as coisas concorrem para o bem dos que amam a Deus", (Rm.8, 28.)

     - "Até mesmo o pecado!"

     - Sim. "Pois onde abundou o pecado, a Graça superabundou. "E Aquele que nada tinha a ver com o pecado Deus o fez pecado por causa de nós" 2Cor.5,21.

     - "Oh feliz culpa! Que nos mereceu um tal Redentor!"

     E este diálogo fictício baseado em palavras reais de S. Paulo e Sto. Agostinho, culmina no Calvário, com a súplica do Crucificado: "Pai, perdoai, eles não sabem o que fazem" Lc. 23,34.

     Por conseguinte, o pecado pode ser tudo, menos pretexto para nos acomodar. Aproveitemos a quaresma para meditar sobre de este duelo entre o pecado e a Graça, sabendo, de antemão, quem terá a última Palavra. Amém.

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

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