FREI ALOÍSIO FRAGOSO
(16/02/2021)
"Quem não tiver pecado, atire a
primeira pedra" Jo.8,1-11. Esta
sentença de Jesus contra os que se apressavam em apedrejar a mulher adúltera,
permanece para sempre como um pêndulo na consciência humana. "Então os
acusadores foram-se retirando, deixando cair as pedras da mão, a começar pelos
mais velhos." Atentemos para este detalhe - "a começar pelos mais
velhos" - e tiremos as conclusões.
Pode-se dar nomes diversos a isso que as
religiões chamam de pecado, mas uma coisa é irrefutável: o sentimento de culpa
que dele decorre. Sentimento este que muitos não suportariam se não fosse o seu
antídoto: a compaixão. O conteúdo geral da Bíblia poderia ter dois títulos
complementares: "A História das
Infidelidades Humanas" e "A História da Misericórdia Divina",
ficando claro que não se trata de um confronto maniqueísta do bem e do mal, mas
sim de uma Luz Superior penetrando em meio às trevas, sem extingui-las, mas
conduzindo a Obra da Criação ao êxito final.
O evangelista S. João expressa esta compaixão de maneira sublime e
consoladora: "filhinho, se o teu coração te acusar perante Deus,
tranquiliza o teu coração, pois Deus é maior do que o teu coração."
1Jo.3,20.
O sentimento de compaixão não é monopólio
das religiões, é um patrimônio da
natureza humana, como se evidencia nesta confissão de um dos maiores filósofos
do século passado: "três paixões simples governaram minha vida: a
necessidade de amor, a sede de conhecimento e a dolorosa comunhão com todos
aqueles que sofrem" (Bertrand Russel, filósofo ateu). Podemos definir
compaixão, neste âmbito geral, como o desejo profundo de ver o
outro aliviado de seus sofrimentos.
O sentimento de culpa é tão marcante que,
muitas vezes, se converte em uma necessidade compulsiva de encontrar culpados.
Desde o começo da pandemia do coronavírus, os que pretenderam isentar-se de
responsabilidade, sobretudo a imposta pelo exercício de função pública, logo
correram em busca de culpados. Encontraram um bem distante daqui: a China. Isso
mesmo, "a China criou o maldito virus com a intenção de solapar a economia
ocidental". Como aconteceu a surpresa da grande vilã vir em socorro de
seus delatores, estes passaram a negar as evidências e encenar uns gestos
tardios para remendar sua gravíssima omissão.
Acostumamo-nos a dar ao pecado nomes
individualizados (isso é pecado, aquilo é pecado) e perdemos a consciência de
que podemos viver e nos instalar em um estado de pecado, em situações que, sem
nos dar conta disso, vão gerando e reproduzindo uma infinidade de males. Quando
um regime é maléfico em sua natureza (é o caso do regime capitalista com o vírus
do individualismo infiltrado no seu DNA), ele nos torna vítimas e carrascos de
uma sociedade desumana. Aí instala-se um estado de pecado.
Estamos iniciando na Igreja Católica o
tempo penitencial da quaresma. Por isso esta reflexão é endereçada de modo
particular a nós cristãos. Temos sido responsáveis por um sem-número de
mal-entendidos, no que diz respeito ao pecado.
Muitos só enxergam os
pecados insignificantes, relegando os grandes e devastadores pecados. Nisso são
movidos pelo medo de se reconhecerem gravemente pecadores, de se verem como
parte integrante de um organismo gravemente
contaminado na sua raiz.
Há também os que acabam caindo numa
espécie de "desespero" moral, na tentação de abandonar a fé, como
único meio de livrar a consciência do insuportável remorso, sob a vigilância
onipresente de Deus.
Daí espalhou-se uma espiritualidade sombria
empenhada em boicotar os prazeres desta
vida em troca do gozo celestial.
Na Bíblia quase sempre o pecado está
associado não à condenação e sim à misericórdia. Com a consciência do pecado,
abrimo-nos para a dádiva da Graça, por meio do arrependimento e da conversão.
O mistério da Fé nos leva a encenar um
comovente diálogo entre dois dos maiores gênios do Cristianismo:
- "Todas as coisas concorrem para o
bem dos que amam a Deus", (Rm.8, 28.)
- "Até mesmo o pecado!"
- Sim. "Pois onde abundou o pecado, a
Graça superabundou. "E Aquele que nada tinha a ver com o pecado Deus o fez
pecado por causa de nós" 2Cor.5,21.
- "Oh feliz culpa! Que nos mereceu um
tal Redentor!"
E este diálogo fictício baseado em
palavras reais de S. Paulo e Sto. Agostinho, culmina no Calvário, com a súplica
do Crucificado: "Pai, perdoai, eles não sabem o que fazem" Lc. 23,34.
Por conseguinte, o pecado pode ser tudo,
menos pretexto para nos acomodar. Aproveitemos a quaresma para meditar sobre de
este duelo entre o pecado e a Graça, sabendo, de antemão, quem terá a última
Palavra. Amém.
Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da
Tenda da Fé e escritor.
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