Marcelo Barros
Neste momento
no qual, em todo o território nacional, os povos indígenas são ameaçados em sua
existência física e nas suas culturas, é mais urgente do que nunca recordar o
aniversário do martírio do índio Sepé Tiaraju que no sul do Brasil é
considerado santo e se tornou até nome de cidade no Rio Grande do Sul: São
Sepé. É no dia 07 de fevereiro que as
comunidades do Rio Grande do Sul celebram o aniversário deste grande mártir
indígena.
Como dizem os
livros de História, em 1750, no Tratado de Madri, os reis de Portugal e de
Espanha decidiram se unir para destruir as comunidades das missões, cuidadas
pelos jesuítas. Os Guarani decidiram resistir porque consideravam a terra como
dom de Deus e eles tinham que defender a liberdade da terra e a relação íntima
entre aquela terra sagrada e o povo que dela cuidava. Os portugueses e
espanhóis atacaram os índios com canhões e morteiros. Os índios resistiram com
flechas e pedras.
Sepé, cujo nome
indígena não parece ter sido esse, foi o líder guerreiro que uniu o povo guarani
na luta contra os exércitos espanhol e português. Sepé unificou os índios das
sete povoações missioneras com o grito: “Esta
terra tem dono”. Até hoje, esse grito ressoa nas lutas indígenas e é
reconhecido como legítimo por todos os que têm senso de justiça. Sepé morreu
vítima de uma emboscada armada no arroio Caiboaté. Milhares de índios foram
mortos ou se espalharam pelas florestas, escondidos para sobreviver. Até hoje,
o grito de Sepé Tiaraju, o cacique guarani, ressoa nas lutas indígenas.
A luta dos dois
impérios europeus contra os Guarani foi imortalizada no filme A missão,
dirigido em 1986, pelo cineasta inglês Roland Joffé com a inesquecível trilha
sonora de Ennio Morricone. Mesmo se a história foi romantizada, revela os fatos
históricos como eles aconteceram.
Há séculos, o
povo o considera São Sepé. Só agora, com o papa Francisco, o Vaticano acolheu o
pedido para reconhecê-lo como santo católico. Isso significa que a causa dos
povos indígenas não é só uma luta social e política justa. É isso, mas se torna
também apelo espiritual através do qual o Espírito Divino se manifesta presente
no mundo e nos ilumina.
Agora, depois
de séculos de resistência a tantas violências e perseguições, a fidelidade dos
povos indígenas à unidade da comunidade, à preservação de suas culturas de
origem e a profunda comunhão com a mãe Terra e a natureza se tornam para os
cristãos um verdadeiro testemunho (martírio). É o que aparece no testemunho de
Marcelo Grondin e Moema Viezzer. Estes companheiros, desde jovens consagrados
às melhores causas da humanidade, conseguiram resumir brilhantemente essa
história no livro: Abya Yala, que
tem como subtítulo: O maior genocídio da
história da humanidade: mais de 70 milhões de vítimas entre os povos
originários das Américas. (Editora Bambual, 2020).
O
livro de Marcelo Grondin e Moema Viezzer conta com um belo e profundo prefácio
de Aílton Krenak, o primeiro índio brasileiro a ganhar o prêmio Juca Pato de
intelectual do ano 2020.
Este
livro nos conduz a uma peregrinação aos
locais de martírio de todos os povos indígenas das Américas. Conseguem contar
uma história terrível e arrepiante, sem, entretanto, jamais ceder à
desesperança, nem cair na incitação do ódio. Quem lê esse livro impressionante,
não pode deixar de concluir: Os povos indígenas podem ser nossos mestres em
como resistir nesses dias maus que vivemos Ao ler o livro, celebramos ainda de
forma mais profunda a admiração e a gratidão ao ver as novas formas de
resistência, de articulação e de profecia dos povos indígenas em nosso
continente.
Temos de nos unir e nos solidarizar aos parentes,
indígenas de todos os povos originários do continente, companheiros e
companheiras nas tribulações provocadas pelo Capitalismo e no testemunho do
projeto divino no mundo.
Marcelo Barros, monge beneditino e
escritor, autor de 57 livros dos quais o mais recente é "Teologias da
Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes, 2019. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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