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domingo, 28 de fevereiro de 2021

POLÍTICA E FÉ EM TEMPOS DE CORONAVIRUS

 FREI ALOÍSIO FRAGOSO


(27/02/2021)

 

    Esta semana me chamou a atenção uma entrevista da cantora Teresa Cristina, no programa Roda Viva, da TV Cultura. Um dos entrevistadores perguntou "você consegue separar arte de política?". Ela respondeu com um retumbante "Impossível!" E acrescentou "Quando pronuncio o nome Francisco Buarque de Holanda, isso já é política."

     Puxa! que poder de síntese!

      Logo me vieram à mente outros questionamentos similares: "detesto política", "política e religião não se misturam", "não confio em nenhum político", "prefiro anular meu voto"  e por aí afora.  E quando pronunciamos palavras santas: Deus, Jesus de Nazaré? E outras derivadas destas: Igreja, Família? E quando apenas respiramos, comemos, bebemos, cantamos ou, enfim, silenciamos? Em algum destes momentos estamos imunes de qualquer conteúdo político? Haverá algum item da "Declaração Universal dos Direitos Humanos" que legitime a total alienação política?

     Não dá para responder a estas questões sem antes purificar o nosso entendimento. A palavra "política" acumulou a lama de todos os vícios e delitos humanos, ao longo de milênios. Agora não é nada fácil enxergar, através dessa crosta, a  sua pureza original.

     Estamos fartos de saber que ela se origina do idioma grego, que "polis" quer dizer cidade, que política, enquanto ação, constitui o exercício da cidadania. O mais genial dos pensadores gregos, Aristóteles, tratou de dar-lhe um significado existencial: "política é a ciência que tem como objetivo a felicidade humana". "Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade. E toda comunidade se forma com vistas a algum bem, pois todas as ações de todos os homens são praticadas visando o que lhes parece um bem", escreve o filósofo.

 

     À luz desta compreensão, somos convidados a responder às perguntas acima expostas, com o acréscimo de uma nova,  mais atrevida:  Deus age de outra maneira que não seja politicamente?

     Ninguém melhor para dar uma resposta do que o seu Filho Jesus. "Tudo bem, dirão alguns, mas Jesus nunca fez política". Na verdade, Ele não conseguiu pregar sua doutrina publicamente senão no curto tempo de três anos. E foi condenado com uma sentença de natureza claramente política ("é preciso que Ele morra para que não pereça toda a nação" Jo.11,5) Quanto tempo o deixariam viver, caso Ele tivesse afrontado de peito aberto os poderes dominantes?

    O equívoco de muita gente é imaginar que fazer política exige necessariamente fazer discursos partidários ou ideológicos, ou em oposição direta aos governos opressores. Há um critério de fácil compreensão para quem tem dúvidas a este respeito. É o critério dos resultados. O que resultou, politicamente, para o Império Romano, da pregação do Evangelho, nos séculos que se seguiram? O que tem fortalecido, desde então e ainda hoje, o espírito dos que precisam de um poder transcendental sobre sua consciência política? Que ideologia pode comparar-se à fé inabalável de quem crê que possui o aval de Deus e realiza a sua vontade quando combate toda forma de opressão?

     O Brasil já foi destaque internacional pelo seu pioneirismo na pesquisa e prática de vacinação contra doenças endêmicas. Hoje é um dos últimos l da fila no combate eficaz contra a covid 19. Alguém pensa que haja outro motivo para isso que não seja única e exclusivamente a falta de vontade política?

     Políticos profissionais posam de fiéis devotos e do nome de Deus fazem bandeira para suas campanhas. Eles sabem que a maioria de seus eleitores, vendo-os "tementes a Deus", terão menos medo deles, e menos disposição para destroná-los, porque crêem que Deus protege seu povo.

 

     Quando vemos algumas denominações religiosas fazer aliança e fechar acordos com o o poder dominante, temos razão de desconfiar de suas intenções:  são ditadas pela Fé ou por um Projeto de Poder temporal?

     Não há como negar, a política penetra em todos os segmentos da sociedade.

     A penitência deste tempo quaresmal não pode nem deve fugir de suas consequências, uma vez que os acontecimentos da História são também matéria prima para se construir o Reino de Deus. A morte de Jesus foi uma resolução política daquela época. Sua resurreição, uma decisão do  Pai do Céu, para todos os tempos.

É aí que temos de escolher nossas prioridades, atentos à exortação de Jesus: "vocês são o sal da terra, vocês são a luz do mundo. Se o sal não salgar, se a luz não acender, para mais nada servirão" Mt.5, 13-16. Amém.

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

 

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