FREI ALOÍSIO FRAGOSO
Acostumado, desde criança, a cantar o hino
nacional patrioticamente, não me dava
conta do seu significado textual. No embalo da melodia retumbante, me desligava
da letra, carregada de imagens bucólicas
e visionárias: "sol da liberdade", "raios fúlgidos",
"margens plácidas", "florão da América", "lábaro estrelado", "verde louro desta
flámula", e mais "impávido
colosso", "pátria amada
idolatrada", "mãe gentil", "deitada eternamente em berço
esplêndido".
Qual o sentido de pátria contido em nosso hino nacional? É o de Povo
ou o de Meio Ambiente? Povo supõe
e exige uma identidade que o distinga de qualquer outra nação. Meio
Ambiente - sol, céu, estrelas, mares,
bosques, natureza - se equivalem em qualquer parte do planeta e despertam
emoções equivalentes em seus
conterrâneos.
É natural que os símbolos da pátria, com o
seu poder evocativo, contribuam para construir
a unidade da nação. Não é isso, porém, o
que acontece quando os associamos à
realidade vivida pelo povo brasileiro. Na verdade, só os vemos unificar classes e raças,
indistintamente, em duas oportunidades, durante uma Copa do Mundo de futebol e
nos dias de Carnaval.
Enquanto isso, nossa cultura se deixa assediar e infiltrar por
outras culturas estrangeiras, mormente norte-americana. Vai aqui um exemplo
ilustrativo desta realidade: nossas tradições
folclóricas, ricas e sugestivas, não constrangem muitas escolas, a
começar pelas mais elitistas, a introduzir uma festa toda dos Estados Unidos,
chamada "halloween", uma festa de bruxas americanas, porque nossos
Saci Pererê, Caipora, Curupira,
Negrinho do Pastoreio, Comadre Fulozinha, Lobisomen não possuem grife
"made in USA".
Este tipo de patriotismo atingiu o auge de
ideologização e idiotização demagógica na vida política brasileira destes
últimos anos. Voltamos a ver a marca dos símbolos patrióticos colorindo ruas e
praças, estandartes e vestes.
"Brasil acima de tudo". "Meu partido é o Brasil".
"Nossa bandeira jamais será vermelha", etc. A maioria dos que a
usam é
constituída por "cidadãos de bem", brancos e sintonizados com o Poder Econômico e as
classes dominantes. São os mesmos que
moram no Brasil planejando viagens para Miami, Nova Iorque, Paris. E cultuando
"ídolos" de outras terras.
De repente, quem chega sem ser esperado?
Uma pandemia do coronavirus. Chega e logo provoca o caos nas mentes já
aturdidas por discursos neo-fascistas e fundamentalistas. Seus chefes
perdem a cabeça, não sabem o que fazer. Enquanto 50 países iniciam
a vacinação da sua gente, o Brasil prossegue contando os seus mortos. O chefe
da nação e seus acólitos recusam vacinas
vindas da China porque são fabricadas por mãos comunistas. Recusam as ofertas
gratuitas de Cuba pelos mesmos motivos. Outras tem de esperar pela filtragem
dos interesses políticos. Desta forma vão
tingindo da cor de sangue a bandeira que juraram "jamais será
vermelha".
E nós cristãos diante destes fatos? O que nos diz nosso Mestre?
Ao declarar "Eu vim para que todos
tenham vida e a tenham em plenitude", Jesus não faz distinção de nenhuma espécie, não limita suas promessas às fronteiras
geográficas do seu povo nem aos que viriam a crer na sua doutrina. Ele deixa
claro que a vida não tem pátria. A vida é
um Bem universal que prevalece sobre qualquer apologia nacional.
Certo dia Jesus viu de perto a morte,
quando curou o servo de um oficial romano, pagão e ainda louvou a fé dele. Alguns judeus fundamentalistas, vendo
esta cena, surtaram de ódio e quiseram matá -lo de imediato. Ele teve que fugir.
A propósito, escreve um dos grandes
gênios do Pensamento, o filósofo francês
Montesquieu: "se souber de
uma coisa que é favoravel para o meu
povo e prejudicial para a raça humana,
eu a encaro como crime".
Podemos imaginar Jesus voltando à terra, visitando-nos e tomando conhecimento
de toda esta política genocida. Decerto Ele repetiria, entre outras denúncias
mais fortes, o que falou em Mt.15, 12-14: "Então os discípulos lhe disseram: os fariseus
ficaram escandalizados com as tuas palavras. Jesus respondeu: toda planta que
não foi plantada pelo meu Pai Celeste será
arrancada pela raiz. Deixai-os. São cegos guiando outros cegos. Se um cego
conduz a outro, cairão ambos no mesmo
abismo."
É
cego também todo aquele que
vê essa tragédia e permanece
"deitado eternamente em berço
esplêndido".
Frei Aloísio
Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.
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