O Jornal On Line O PORTA-VOZ surgiu para ser o espaço onde qualquer pessoa possa publicar seu texto, independentemente de ser escritor, jornalista ou poeta profissional. É o espaço dos famosos e dos anônimos. É o espaço de quem tem alguma coisa a dizer.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

"PATRIA AMADA BRASIL" EM TEMPOS DE CORONAVIRUS

 


FREI ALOÍSIO  FRAGOSO


 

     Acostumado, desde criança, a cantar o hino nacional patrioticamente, não  me dava conta do seu significado textual. No embalo da melodia retumbante, me desligava da letra, carregada de imagens bucólicas  e visionárias: "sol da liberdade", "raios fúlgidos", "margens plácidas", "florão da América", "lábaro  estrelado", "verde louro desta flámula", e mais "impávido  colosso", "pátria  amada idolatrada", "mãe gentil", "deitada eternamente em berço esplêndido".

     Qual o sentido de pátria  contido em nosso hino nacional? É  o de Povo  ou o de Meio Ambiente? Povo supõe  e exige uma identidade que o distinga de qualquer outra nação. Meio Ambiente - sol, céu,  estrelas, mares, bosques, natureza - se equivalem em qualquer parte do planeta e despertam emoções  equivalentes em seus conterrâneos.

    É natural que os símbolos da pátria, com o seu poder evocativo, contribuam  para construir a unidade da nação. Não é isso, porém,  o que acontece quando os associamos à  realidade vivida pelo povo brasileiro. Na verdade, só  os vemos unificar classes e raças, indistintamente, em duas oportunidades, durante uma Copa do Mundo de futebol e nos dias de Carnaval.

     Enquanto isso, nossa  cultura se deixa assediar e infiltrar por outras culturas estrangeiras, mormente norte-americana. Vai aqui um exemplo ilustrativo desta realidade: nossas tradições  folclóricas, ricas e sugestivas, não constrangem muitas escolas, a começar pelas mais elitistas, a introduzir uma festa toda dos Estados Unidos, chamada "halloween", uma festa de bruxas americanas, porque nossos Saci Pererê, Caipora, Curupira,   Negrinho do Pastoreio, Comadre Fulozinha, Lobisomen não possuem grife "made in USA".

    Este tipo de patriotismo atingiu o auge de ideologização e idiotização demagógica na vida política brasileira destes últimos anos. Voltamos a ver a marca dos símbolos patrióticos colorindo ruas e praças, estandartes e vestes.  "Brasil acima de tudo". "Meu partido é o Brasil". "Nossa bandeira jamais será vermelha", etc. A maioria dos que a usam  é  constituída por "cidadãos de bem", brancos e  sintonizados com o Poder Econômico e as classes dominantes. São os mesmos  que moram no Brasil planejando viagens para Miami, Nova Iorque, Paris. E cultuando "ídolos" de outras terras.

     De repente, quem chega sem ser esperado? Uma pandemia do coronavirus. Chega e logo provoca o caos nas  mentes já  aturdidas por discursos neo-fascistas e fundamentalistas. Seus chefes perdem a cabeça,  não  sabem o que fazer. Enquanto 50 países iniciam a vacinação da sua gente, o Brasil prossegue contando os seus mortos. O chefe da nação  e seus acólitos recusam vacinas vindas da China porque são fabricadas por mãos comunistas. Recusam as ofertas gratuitas de Cuba pelos mesmos motivos. Outras tem de esperar pela filtragem dos interesses políticos. Desta forma vão  tingindo da cor de sangue a bandeira que juraram "jamais será vermelha".

     E nós cristãos diante destes fatos?  O que nos diz nosso Mestre?

     Ao declarar "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em plenitude", Jesus não  faz distinção de nenhuma espécie, não  limita suas promessas às fronteiras geográficas do seu povo nem aos que viriam a crer na sua doutrina. Ele deixa claro que a vida não tem pátria. A vida é  um Bem universal que prevalece sobre qualquer apologia nacional.

    Certo dia Jesus viu de perto a morte, quando curou o servo de um oficial romano, pagão e ainda louvou a fé  dele. Alguns judeus fundamentalistas, vendo esta cena, surtaram de ódio e quiseram matá -lo    de imediato. Ele teve que fugir.

     A propósito, escreve um dos grandes gênios  do Pensamento, o filósofo  francês  Montesquieu: "se  souber de uma coisa que é  favoravel para o meu povo e prejudicial para a raça  humana, eu a encaro como crime".

      Podemos imaginar Jesus voltando à  terra, visitando-nos e tomando conhecimento de toda esta política genocida. Decerto Ele repetiria, entre outras denúncias mais fortes, o que falou em Mt.15, 12-14: "Então  os discípulos lhe disseram: os fariseus ficaram escandalizados com as tuas palavras. Jesus respondeu: toda planta que não foi plantada pelo meu Pai Celeste será  arrancada pela raiz. Deixai-os. São cegos guiando outros cegos. Se um cego conduz a outro, cairão  ambos no mesmo abismo."

     É  cego também  todo aquele que vê  essa tragédia e permanece "deitado eternamente em berço  esplêndido".

 

 

Frei Aloísio Fragoso é frade franciscano, coordenador da Tenda da Fé e escritor.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário