Marcelo Barros
Há poucos dias, na reunião de oração de uma conhecida Igreja
neopentecostal, aconteceu um fato surpreendente. O pastor invocou o Espírito
Santo e a comunidade entrou em êxtase. Os irmãos e irmãs começaram a receber os
diversos dons pelos quais o Espírito se manifesta. Uns falavam línguas. Outros
cantavam e alguns impunham as mãos sobre doentes para curá-los. E no fundo da
Igreja, Dona Salomé recebia a comunicação de uma profecia. O Espírito a fazia
falar:
- Eis o que diz o Senhor Jesus:
“Estou muito triste e envergonhado com vocês. Se vocês não
querem aceitar o meu evangelho do amor e da salvação universal ao menos não
usem o meu nome para propagar ódio e violência. Como se sentem no direito de
usar o meu nome para discriminar pessoas e atacar a religião dos que praticam
cultos afrodescendentes? Nunca autorizei ninguém a usarem meu nome para fazer
maldades. Quando eu estava atuando na Galileia e tinha de passar pela Samaria,
os samaritanos de uma cidade negaram que eu pudesse passar por ali. Tiago e
João, dois dos discípulos, quiseram invocar o Espírito para acabar com aquelas
pessoas. Imediatamente, os repreendi e disse claramente o que, com tristeza,
digo agora a vocês: “Não sabeis de que
espírito sois” (Lc 9, 55). Em outra ocasião, um homem estava expulsando
demônios e não era do nosso grupo. Meus discípulos quiseram proibi-lo de fazer
isso. De novo, os repreendi dizendo: “Não
o proibais porque quem não é contra nós, está do nosso lado” (Lc 9, 50).
Não é justo confundir cultos afro com a idolatria que os
profetas da Bíblia condenaram. Na Bíblia, Deus tem muitos nomes. A tradição
bíblica aceitou que Deus fosse chamado de Elohim, de El Shaddai, El Shabbaot e
outros, que eram como atualmente são os nomes de Orixás. Eram nomes de Deus
ligados ao amor, à vida e à paz. No entanto, havia também nomes ligados à morte
e à violência. Moloc era um deus que exigia sacrifícios humanos. Os pais deviam
sacrificar os filhos na fornalha em honra de Moloc. Baal era o deus do comércio
que privilegiava ricos e discriminava os pobres. Então, os profetas ensinaram
que esses nomes de Deus são idolátricos. Eu mesmo no evangelho insisti que
ninguém pode servir a Deus e, ao mesmo tempo, ao dinheiro” (Mt 6, 24).
Agora, muitos cristãos aceitam tranquilamente pastores que,
em nome de Deus, enriquecem, defendem injustiças sociais, promovem violências e
destroem a Amazônia. E vocês aceitam isso e, ao mesmo tempo, consideram os
cultos afro como sendo do diabo. Não veem que o ídolo é o Deus cruel e
mesquinho que vocês pregam e que ensina a discriminar pessoas e dividir a
humanidade em crentes e não crentes. Quem conhece o meu Evangelho sabe que o
nosso Deus é Pai misericordioso que faz
nascer o sol sobre maus e bons e faz
descer a chuva sobre justos e injustos (Mt 5, 45).
Antigamente, os poderosos de cada região impunham a sua
religião a todos os habitantes do território que dominavam. Hoje, graças a
Deus, o mundo inteiro é uma grande sinfonia de diferentes culturas e religiões.
Isso é inspirado pelo Espírito do meu Pai.
A lei brasileira defende a liberdade religiosa e de culto e
isso é correto. Mas, é preciso mais do que isso: é preciso que as pessoas se
convençam de que não existe fé na intolerância e no desamor. Ou a religião
torna vocês pessoas mais humanas e amorosas, ou essa religião é falsa e vazia. A
fé deve ser um processo permanente de abertura interior para descobrir no outro
ser humano e na natureza a presença divina.
Atualmente, a diversidade religiosa no mundo é, não somente
um fato atual que, queiramos ou não, se impõe à humanidade. Ela se constitui
como graça divina e uma bênção para as tradições religiosas que, assim, podem
se complementar e mutuamente se enriquecer. Para que esse diálogo seja
verdadeiro e profundo, cada grupo religioso tem de reconhecer o elemento de
verdade que existe no outro.
Como pessoas cristãs, vocês devem ser testemunhas do amor
universal do meu Pai que eu quis testemunhar " a todo ser humano que vive
nesse mundo". No evangelho, na hora de me despedir dos discípulos, afirmei:
"Na casa do meu Pai, há muitas
moradas" (Jo 14, 1). Com isso, não quis dizer que, no céu, há muitas
casas preparadas para vocês, quando morrerem. O sentido profundo da minha palavra
é que vocês precisam ver "a casa do Pai" nesse mundo mesmo. E as
muitas moradas de Deus são as diversas formas de caminhar para o seu reino. O
meu Espírito peregrina com todos e todas das mais diversas religiões e
tradições espirituais. As religiões são tendas armadas no caminho para ajudar as
pessoas a avançarem na direção do Amor. Só isso”.
A pobre irmã que teve de proclamar essa profecia que tinha
acabado de receber essa profecia viu as pessoas virarem para o outro lado e
ficou com medo de que a expulsassem da Igreja.
Marcelo
Barros, monge beneditino e escritor, autor de 57 livros dos quais o mais
recente é "Teologias da Libertação para os nossos dias", Ed. Vozes,
2019. Email: irmarcelobarros@uol.com.br
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